Antropologia
Belo Monte: Técnicos do IBAMA dão parecer contrário ao início das obras
Eu já me considerava voto vencido, perdedor, inútil sofredor, prestes a me conformar com o leite derramado, querendo já uma saída digna para os povos indígenas.
Pois que, Belo Monte ia sair, de qualquer jeito, por determinação do governo, seja sob protestos dos índios, dos ribeirinhos, dos habitantes de Altamira, do CIMI e das ONGs, com quem, nesse aspecto, me coloco de acordo.
Eis que dois técnicos do IBAMA acabaram de dar um parecer contrário ao início das obras em função de um parecer do MPF, do Pará, alertando para o fato da empresa NESA, encarregada da obra, não ter preenchido as condições mínimas para ao menos abrir o canteiro de obras. Ao que parece, a NESA não tem clareza sobre o número de pessoas que serão atraídas para essa obra, nem tem cenários claros sobre as suas possíveis consequências. Para os técnicos do IBAMA foi o suficiente para emitir parecer contrário.
A Funai foi, infelizmente, o primeiro órgão a dar o aval à construção da Usina Belo Monte, quando os índios ainda não tinham conhecimento claro do tamanho da obra e de suas consequências, e à revelia dos questionamentos dos próprios técnicos da Funai, que queriam mais tempo para prover melhores esclarecimento para os índios. E se os índios dissessem não, o que aconteceria?
Agora a Funai está com a brocha na mão, com licença dada, enquanto o IBAMA lhe tirou a escada. Que fazer?
Não sei se esse parecer dos técnicos será um impedimento grave para a construção de Belo Monte. Provavelmente a direção do órgão vai passar por cima, ou mandar refazer o parecer por outros técnicos. Já os Kayapó do rio Xingu, especialmente os liderados por Raoni Txukarramãe, continuam firmes contra essa hidrelétrica. Nem tanto pela inundação que se projeta na atualidade, mas por desconfiarem que, uma vez construída Belo Monte, outras hidrelétricas serão construídas mas a montante no rio, impactando mais duramente outros povos indígenas e a si mesmos.
Os índios querem uma palavra com a presidente Dilma Rousseff sobre essa questão e sobre o futuro da Funai. Megaron Txukarramãe declarou recentemente que desconfia que a atual direção da Funai, movida por não sabe que interesses, quer se retirar da responsabilidade tutelar sobre os povos indígenas. Tutela, para os Kayapó, como para muitos outros povos, não significa a rendição desses povos ao Estado, mas a garantia jurídica sobre o senso da responsabilidade maior sobre os povos indígenas que cabe ao Estado, desde a época de Rondon, no que se refere à observação e aplicação de leis e medidas para com os direitos constitucionais indígenas.
Enfim, o governo Rousseff, que está para começar, já vem com pontos controversos a serem resolvidos.
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Ibama pode retardar obra de Belo MonteÓrgão faz dois pareceres contrários ao início da construção, em razão do não cumprimento de condicionantes
Consórcio queria iniciar obras neste ano; MPF afirma que acionará governo na Justiça se licença for concedida
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA
No que depender dos técnicos do Ibama, a usina de Belo Monte não terá seu canteiro de obras iniciado neste ano, como queriam seus construtores. A equipe encarregada de analisar o pedido de licença para as chamadas instalações iniciais da hidrelétrica no Xingu deu dois pareceres contrários às obras.
Segundo os documentos obtidos pela Folha, de 5 e 20 de outubro, o consórcio Nesa (Norte Energia S.A.) não cumpriu as precondições impostas pelo Ibama para a instalação do canteiro da usina. Além disso, os empreendedores teriam subestimado o número de migrantes que seriam atraídos para a região de Altamira (PA) para a obra.
"Restam condicionantes e ações antecipatórias (...) cujo não atendimento compromete o início da implantação das instalações iniciais", diz o parecer de 20 de outubro.
"Não é recomendada a emissão de licença para as instalações iniciais."
Principal obra do PAC, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Estima-se que vá custar de R$ 19 bilhões a R$ 30 bilhões e gerar em média 4.400 MW. A usina obteve em abril licença prévia do Ibama, atestando que a obra era viável desde que os empreendedores cumprissem 40 precondições -da instalação de saneamento em Altamira até a proteção de tartarugas que desovam no rio Xingu. Em setembro, a Nesa pediu ao Ibama uma licença de instalação parcial, para o canteiro de obras.
CHUVAS
O consórcio fez isso para ganhar tempo: iniciando os canteiros neste ano, poderia começar as obras da usina após a estação de chuvas, que começa em dezembro.
O Ministério Público Federal no Pará diz que acionará o governo na Justiça caso o Ibama dê a licença de instalação para o canteiro. Seria a décima ação contra Belo Monte em dez anos.
"Licença fracionada não existe na lei brasileira", diz o procurador Felício Pontes Júnior. "O canteiro é a obra."
Na quarta passada, o MPF enviou ao presidente do Ibama, Abelardo Bayma, recomendação para que não emita licença enquanto não forem cumpridas as condicionantes da licença prévia.
Os técnicos do Ibama, no primeiro parecer, dizem que não é nem possível avaliar se a licença de instalação pode ou não ser fracionada, já que o consórcio não detalhou os potenciais impactos dessa fase do empreendimento.
Das 23 condicionantes cujo atendimento seria necessário para iniciar a instalação, uma havia sido atendida em 5 de outubro. Três estavam "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". O consórcio enviou novos documentos para análise. No segundo parecer, mais oito condicionantes aparecem como "em atendimento" ou "parcialmente atendidas". Mas, segundo os analistas, questões fundamentais seguem sem resposta. A principal é o tamanho da população a ser atraída ao canteiro. O contingente adicional tende a causar pressão sobre a frágil infraestrutura urbana local e sobre as florestas. O consórcio estimou no pedido de licença para o canteiro que seriam atraídas 2,39 pessoas por emprego gerado no primeiro ano. O EIA-Rima da usina, porém, estima 3,86. Além disso, nenhuma ação de ampliação da infraestrutura foi iniciada.
O Ibama ainda não se manifestou oficialmente sobre a licença do canteiro de obras. Bayma afirmou, via assessoria, que só falaria após a conclusão da análise técnica. O presidente da Nesa, Carlos Nascimento, não respondeu a pedidos de entrevista.
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