Antropologia
Voto do ministro Menezes Direito é duro
A sessão do STF que está tratando da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi suspensa agora há pouco, até as 14 horas, para que os ministros decidam se vão continuar a proferir seus votos ou se suspendem a votação em virtude de um pedido de vistas feito pelo ministro Marco Aurélio de Mello.
Apenas votou o ministro Menezes Direito.
Seu voto foi duro, impondo imensas restrições ao processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, proibindo diversas ações que os povos indígenas vinham já acostumados como lhes pertencendo por direito adquirido ou direito constituído por suas práticas. Mas, por outra, o voto não esclareceu alguns pontos cruciais que, por essa razão vão provocar algumas pequenas ambiguidades. Ao final, acolheu parcialmente a ação civil pública contra a homologação e listou uma série de 17 requisitos extras que têm que ser cumpridos no exercício da efetivação dessa homologação do presidente Lula e das futuras. Esses requisitos serão discutidos em detalhes em outra postagem mais tarde.
Em nenhum momento o voto do ministro Direito disse explicitamente que os arrozeiros devem se retirar imediatamente das terras que ocupam. Entretanto, o voto diz que pessoas não indígenas não têm direito de cultivar, criar gado ou negociar em terras indígenas. Isto significa que os arrozeiros são ilegítimos em suas pretensões de viver e trabalhar na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Portanto, concluo, devem ser retirados imediatamente.
Se assim for, ponto para os índios de Raposa Serra do Sol!!
Entretanto, alguns pontos muito duros foram proferidos pelo ministro. Talvez o principal deles é o de que o direito indígena não é absoluto e não pode prevalecer sobre outros direitos, como o ambiental e o da segurança nacional. E concluiu daí que, no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Instituto Chico Mendes é que deve regulamentar o Parque Nacional de Roraima, que está dentro da referida terra indígena. E que os índios Ingarikó têm o direito de usá-lo em atividades de coleta, visita, reverenciação, etc., não de garimpagem ou de criação de gado. Em todo caso, esse usufruto tem que ser comunicado ao Instituto Chico Mendes. Os Ingarikó não vão gostar dessa idéia.
Outro aspecto importante é o da defesa nacional. O ministro Menezes Direito foi duríssimo ao dizer que as Forças Armadas não têm que pedir licença alguma dos índios, nem seu consentimento prévio, sobre a utilização de terras indígenas em faixas de fronteira para fins de defesa nacional.
Nesse sentido, um dos aspectos mais duros do voto de Menezes Direito foi o de que o Brasil não tem que seguir nem a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, votada pela ONU, com voto brasileiro, nem a Convenção 169, da OIT. Repetiu, nesse caso, o voto do ministro Ayres Britto no aspecto que diz que a Constituição brasileira já atende a todos os aspectos importantes do direito indígena.
Vai dar muito pano para manga.
Em relação à FUNAI, O ministro Menezes Direito trouxe aportes preocupantes que modificarão o procedimento demarcatório e o papel da FUNAI em prosseguir no seu trabalho de acordo com a portaria ministerial 1775/96. Arrolou uma série de medidas que o órgão tem que tomar para reconhecer terras indígenas, entre elas a presença de pelo menos três antropólogos em cada estudo, de outros especialistas e de entidades públicas interessadas, como os estados e municípios. Proibiu peremptoriamente que as terras já demarcadas sofressem processos de ampliação. E determinou que a data da promulgação da Constituição de 1988 é que determina o conceito de ocupação de uma terra que se queira declarar como indígena.
Por que esse voto tão duro? A resposta não pode ser fácil. Não é uma questão a ser reduzida à antinomia esquerda-direita, mesmo porque, inesperadamente, o ministro Ayres Britto, a quem se poderia reconhecer como homem de esquerda, se declarou completamente favoravelmente aos 17 requisitos expostos pelo ministro Menezes Direito. E disse que esses itens já estavam contidos em seu voto!
O voto do ministro Menezes Direito não foi proferido com leveza, nem com serenidade, não obstante sua abrangência e profundidade. Sua fisionomia era de dureza, não diria de raiva, propriamente, mas de severidade, e suas palavras estavam entumecidas de uma certa exasperação, uma certa impaciência e uma determinação para mudar um determinado quadro que prevalece atualmente na questão indígena brasileira.
Não sei como os demais ministros votarão hoje à tarde, ou se a coisa toda vai ser adiada para o próximo ano. De qualquer jeito, a FUNAI perdeu muito de suas prerrogativas a partir desse voto. E todo o discurso de Ongs que estavam determinando suas ações foi desautorizado em quase sua totalidade. É um voto que vai provocar muita infelicidade entre os povos indígenas. Um voto, em muitos aspectos, do qual não estávamos precisando.
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