O STF cumpre o seu papel!
Antropologia

O STF cumpre o seu papel!


Acabou há pouco a sessão do STF que votou a legitimidade do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Por 8 votos -- faltando ainda três votos, incluindo o do presidente da Corte Suprema -- o STF recepcionou apenas parcialmente a ação civil pública que pedia a nulidade do decreto presidencial de homologação.

Essa parcialidade se referiu a 18 ressalvas, produzidas pelo ministro Menezes Direito, o segundo a votar, que favorece a presença do Estado brasileiro nos aspectos da ações de defesa nacional, proteção do meio ambiente, serviços de saúde, educação e circulação livre de pessoas.

Quanto à presença de terceiros com interesses econômicos, especificamente agropecuários, foi definitivamente banida da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os arrozeiros terão que sair logo que a decisão for proclamada!

Esta é a grande vitória do indigenismo brasileiro sobre a qual escrevi um artigo logo que o presidente Lula assinou o decreto de homologação.

Congratulo-me com os índios Makuxi, Taurepang, Uapixana, Patamona e Ingarikó por essa grande vitória.

Agora, temos que esperar o voto dos três ministros restantes, que só ocorrerão no próximo ano, e a proclamação do resultado. Com isso os arrozeiros terão que sair imediatamente.

Por outro lado, há que se compreender o teor e as consequências das 18 ressalvas expostas no voto do ministro Menezes Direito, que trouxeram grande preocupação à causa indígena brasileira.

Elas apontam para um novo regulamento de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, e esse novo regulamento vai se tornar extremamente difícil de demarcar novas terras indígenas.

Eis o preço que os demais indígenas brasileiros pagarão por essa decisão do STF. É um preço altíssimo. Os votos concordantes com as 18 ressalvas produzidas pelo ministro Menezes Direito diminuem o direito indígena sobre o usufruto pleno das riquezas de suas terras, dos potenciais hídricos e minerais, da recuperação de terras usurpadas e da sua auto-determinação.

É irônico que essas determinações tenham sido pronunciadas precisamente no 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pelo menos seis ministros se pronunciaram contra os termos libertários da Declaração Universal dos Direitos Indígenas no que concerne a auto-determinação, o direito de ir e vir entre fronteiras e a necessidade consulta prévia e consensual sobre ações governamentais que afetem os povos indígenas e suas terras.

Por que ressalvas que se apresentam como diretrizes tão duras? Só com mais reflexão poderemos chegar a uma conclusão mais completa e profunda. O processo social que nos leva até esse ponto é cheio de meandros, de idas e vindas, e de fatores sociais e econômicos ligados ao nosso tempo. Talvez até o renascimento de um novo tipo de nacionalismo esteja surgindo no Brasil, e este caso surge como ponta-de-lança desse momento.

Por enquanto, no nível mais local do momento político-cultural brasileiro, fica o sentimento de que o voto do ministro Menezes Direito, que modificou consideravelmente o teor libertário do voto do ministro-relator Ayres Britto, foi pronunciado como uma reação às atitudes destemperadas que as Ongs vêm proclamando como sendo direitos dos povos indígenas e o papel que elas vêm exercendo especialmente sobre jovens lideranças indígenas que dependem dessas visões para estabelecerem-se no movimento indígena. O descalabro administrativo da atual gestão da FUNAI levantou o sentimento anti-indigenista brasileiro de tal forma que os estados federados se levantaram contra os povos indígenas de um modo nunca visto. O STF parece estar refletindo esse sentimento.

Tivesse o movimento indígena atual seguido as orientações mais ponderadas e estratégicas das velhas lideranças, acredito, em princípio, que o STF não teria se pronunciado com tanta dureza com propostas que irão modificar ou desviar o curso da auto-determinação dos povos indígenas e de seu relacionamento harmonioso com a sociedade brasileira.

Quanto à demarcação de novas terras, ou até das que estão em curso, o procedimento atual terá que ser revisto, na recomendação final feita pelo presidente do STF Gilmar Mendes.

Alguns pronunciamentos foram ainda mais contundentes do que as ressalvas do ministro Menezes Direito. Por exemplo, o ministro Cézar Peluzo disse se sentir constrangido em votar favoravelmente pela manutenção do decreto presidencial pois não acreditava que os relatórios dos antropólogos estivessem corretos sobre o uso e a ocupação efetiva daquelas terras. Em compensação, enfatizava a ressalva que conclama que nenhuma terra indígena pode ser demarcada sem a consulta expressa dos municípios e dos estados. E quando o ministro Ayres Britto apontou que a consulta aos municípios iria dificultar enormemente o reconhecimento de terras indígenas, recebeu a resposta de que cabe ao STF equilibrar o princípio federativo e o direito dos entes federativos. Isto é, ignorou a ponderação de Ayres Britto.

Portanto, dá-se com uma mão e tira-se com outra. O STF se pronunciou. Cabe ao Executivo e ao Legislativo seguir novas linhas de ação.

Vamos precisar de muita ponderação, estratégia e liderança para recriar a defesa dos povos indígenas em novos termos. Do jeito que está, se os índios e suas lideranças mais expressivas não fizerem o suficiente, os resultados serão um retrocesso incomensurável pelos próximos anos.

Espero que o Ministério da Justiça e a FUNAI estejam à altura dos novos tempos que se deslumbram a partir dessa decisão histórica.



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