Antropologia
Reforma agrária e demarcação de terras dos quilombolas em questão
Duas notícias muito contundentes e desconcertantes saíram hoje nos jornais nacionais.
Uma delas é a opinião do ministro Carlos Minc sobre a reforma agrária, especialmente na Amazônia. Avaliando o nível de desmatamento que os assentamentos do INCRA vêm provocando, Minc propõe uma mudança nos moldes em que esses assentamentos são feitos.
Quer uma reforma agrária sustentável. Acredita que a terra dos assentamentos doada em lotes individuais ou familiares provoca uma irracionalidade ambiental, com desmatamento e desperdício do uso da terra. Talvez se a terra fosse concedida em módulos coletivos, o resultado da sua utilização seria menos desperdício e mais produtividade.
Minc é, ou foi no passado, um especialista em frentes de expansão. Tem um livro sobre as frentes de expansão agrícola em Rondônia. O que ele diz é o que muita gente já vem dizendo entre os dentes há algum tempo.
Vamos ver no que dá essa idéia. Será sinal dos tempos? O certo é que ele está pisando nos calos do ministério da Reforma Agrária, do INCRA e do movimento social.
A segunda notícia é mais pesada e tem conseqüências imediatas.
O INCRA acaba de portariar uma instrução normativa, a qual foi proposta pela Advogacia Geral da União, AGU, comandada pelo advogado José Antônio Toffoli, sob as instruções do presidente Lula, no sentido de regular o processo de reconhecimento do que é um quilombo, de quais são suas terras e como demarcá-las.
Até então qualquer agrupamento de pessoas negras ou mestiças podiam se auto-declarar quilombolas, isto é, pertencentes a um quilombo, isto é, um espaço político-cultural habitado por descendentes de negros que fugiram da escravidão e resistiram ao processo de tomada de suas terras.
Com a nova instrução normativa, o reconhecimento do que é um quilombo passa a ser o resultado de um estudo feito por um antropólogo, e o reconhecimento do que é uma terra de quilombo passa pelo crivo de uma comissão com antropólogo, historiador, e outros especialistas.
O movimento dos quilombolas está fervendo de raiva. Tiraram o pão da sua boca. Isto é, tiraram o direito de se auto-reconhecer como quilombos e esse auto-reconhecimento ser imediatamente aceito pelo governo. Tiraram do INCRA a capacidade de reconhecer quais são as terras que fazem parte tradicional dos quilombos. Desconstituíram o conceito de território para as terras que consideram suas. Agora as terras viraram simples glebas, perdendo o sentido cultural que o termo território lhes dava.
É importante notar que a AGU também tem em suas mãos a reformulação do processo de demarcação de terras indígenas. Lembro aos leitores que isso se deu em 2007 quando Lula, pressionado pelos fazendeiros que estavam se sentindo prejudicados, ordenou a AGU a reformular as normas de reconhecimento e demarcação de terras quilombolas e indígenas.
Bem, a nova normatização de terras quilombolas está aí. E não é favorável aos quilombolas.
Como será a normatização do reconhecimento e da demarcação de terras indígenas? É esperar para ver.
Certamente é pela expectativa de uma reformulação das normas de reconhecimento de terras indígenas que o governo está deixando o pau quebrar no Mato Grosso do Sul. Lá a presença de seis GTs enviados pela FUNAI para fazer o reconhecimento de novas terras indígenas para os Guarani exacerbou o sentimento antiindígena dos fazendeiros e acionou a classe política local para agir em seu favor. Essa celeuma está chegando ao Congresso Nacional, com diversas propostas e projetos de retirar da FUNAI a prerrogativa de reconhecimento de novas terras indígenas.
Vamos esperar para ver o que a AGU vai propor ao presidente nos próximos meses. Quem será que assinará essa nova instrução normativa, a FUNAI ou o Ministério da Justiça?
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