Antropologia
Ministro Luiz Paulo Barreto tem audiência com Pres. Lula
Hoje de manhã o ministro Luiz Paulo Barreto teve sua primeira audiência com Lula, e não foi para tratar só da questão de uma possível intervenção no Distrito Federal, nem só das costumeiras prioridades da pasta da Justiça.
O tema Funai foi levantado, discutido e continua necessitado de solução. Há dois problemas sérios que o Pres. Lula conhece e que precisa dar solução. O primeiro é o decreto de reestruturação da Funai, que lhe foi colocado como a salvação do órgão e que provou ser uma desgraceira completa a toda a frágil estrutura que a Funai já tinha. O segundo é a continuidade ou não da atual direção da Funai.
Quanto ao primeiro caso, ficou evidente que as 84 novas posições de DAS, que foram pedidas pela Casa Civil ao MPOG como condição sine qua non para compor a reestruturação da Funai, na verdade, não melhoraram a situação da estrutura da Funai em função da exorbitante e mal ajambrada extinção de 24 AERs e 9 Núcleos de Apoio, dos quais pelo menos 14 AERs não tiveram substitutos à altura. Por sua vez, a esdrúxula extinção dos postos indígenas, em nome de uma nova política indigenista que rejeita a memória e a tradição indigenista rondoniana, provocou um desarranjo emocional e político sem fim no órgão, e as consequências nefastas desse ato ainda estão por suceder.
O Pres. Lula já disse para mais de um interlocutor que está possesso com essa reestruturação. Em primeiro lugar, porque ficou evidente, e esse ponto foi realçado por diversas críticas importantes que lhe chegaram aos ouvidos, que não houve nenhuma consulta aos povos indígenas sobre os termos da reestruturação, contrariando a lei que ele mesmo sancionou em abril de 2004, qual seja, a Convenção 169 da OIT. Ademais, foi-lhe dito que houvera consultas ao CNPI e que os representantes indígenas teriam reconhecido e acatado as mudanças que viriam. Porém, sobre esse ponto há controvérsias. Assim, ou é verdade que houve consultas no CNPI e essas lideranças acataram, mas elas não representam os interesses da maioria dos indígenas, o que deslegitima o CNPI, ou não é verdade que houve consultas nem ao CNPI, em cujo caso, alguém mentiu para o Pres. Lula. Qualquer hipótese só traz aborrecimento ao Presidente. Em segundo lugar, o decreto lhe parece ruim agora porque, olhando de longe, politicamente, o estrago é visível até para olhos laicos no assunto. Quatro ou cinco governadores, diversos senadores e deputados da base aliada já se manifestaram contra. Mais de 800 índios já desceram a Brasília e chegaram a tomar o órgão por 10 dias para demonstrar seu repúdio tanto ao decreto quanto a cúpula da Funai. Por sua vez, a cúpula da CNBB, o arcebispo de Goiânia, o CIMI também já manifestaram seu repúdio ao decreto, por uma razão ou outra, todas legítimas.
Como extinguir Recife, Curitiba, Goiânia, Porto Velho, São Luís, João Pessoa, só para citar as capitais?
Como extinguir Altamira, Oiapoque, Atalaia do Norte, Parintins, Itaituba -- para substitui-las por outros que ficam a centenas de quilômetros de distância, como Santarém de Altamira, Macapá de Oiapoque?
Como extinguir Redenção e criar Tucumã, trocando seis por meia dúzia, se não for para provocar?
Como arrasar com as três AERs do Paraná e criar duas no litoral sul e sudeste exclusivamente para índios Guarani-Mbyá?
Para que extinguir Tangará da Serra e criar Juína, se não havia nenhuma demanda especial no caso?
Para que extinguir Goiânia, se não para descentralizar uma tradição indigenista que vinha funcionando com grande competência?
Como extinguir São Felix do Araguaia, na beira da Ilha do Bananal, e incorporar as demandas de índios como Tapirapé e Karajá exatamente na nova coordenação criada para os índios Xavante de Maraiwatsede, particularmente os inimigos tradicionais desses últimos? É para provocar, ou não é?
Como extinguir três administrações e três núcleos dos índios Xavante (além de Goiânia, da qual eles se serviam com assiduidade e tinham confiança em sua capacidade de ação) e colocá-los todos numa só coordenação em Barra do Garças, como se o relógio da História pudesse ser voltado para trás? Os Xavante evidentemente não aceitarão isso, nem a curto prazo, nem a médio prazo. Sua ascensão política não permite que eles se curvem a determinações e decisões sobre as quais eles não foram minimamente consultados.
Para o Pres. Lula tudo isso parece mais o samba do paraense doido.
Entretanto, apesar de tudo isso, o Pres. Lula não quer ou não acha conveniente politicamente simplesmente revogar o decreto. Pelo menos não agora. Portanto, precisa dar um jeito nele, revisá-lo, talvez. Mas, como??
O problema que o Pres. Lula não vê, pelo distanciamento que tem da questão, é que não há como aconchambrar os problemas criados pelo decreto. As extinções das AERs e dos Núcleos de Apoio não foram contempladas com substitutos à altura, na maioria dos casos. Mudar algumas sedes até que pode ser, como por exemplo, esquecer Fortaleza e voltar atrás para João Pessoa. Trocar Maceió por Recife. Trocar o Litoral Sul de volta para Curitiba também seria uma opção fácil. Voltar atrás em Atalaia do Norte e esquecer Cruzeiro do Sul ou Eirunepé para ser a sede da coordenação do rio Juruá. Permanecer com o Sul da Bahia em Ilhéus ou Porto Seguro. Trocar Ji-Paraná de volta para Porto Velho. Porém, os remendos não passam desses e um ou outro mais. Os vazios ficam imensos, por todo o país.
O Pres. Lula recomenda novos estudos e novas atitudes sobre a questão do decreto. Sabe que a pressa é urgente. Não dá para ficar sofrendo desgaste por causa da questão indígena. A coisa pode sempre piorar, quando esta é a tendência, dizem os sábios políticos. Então agora o Ministério da Justiça vai ter que mandar a Funai enquadrar, reconciliar as demandas em relação ao que tem e encontrar um caminho positivo.
Eis o desafio que prende a atual direção da Funai. Ou dá ou desce. Eis seu dilema hamletiano.
As apostas estão rolando.
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