AGU paralisa reconhecimento de terras dos quilombolas. E as terras indígenas?
Antropologia

AGU paralisa reconhecimento de terras dos quilombolas. E as terras indígenas?


Os processos de reconhecimento de terras dos quilombolas estão completamente paralisados devido a uma Instrução Normativa lançada pela Advogacia Geral da União em novembro passado. O movimento quilombola e seus simpatizantes estão furiosos e desapontados.

As reclamações de fazendeiros e outros contra o reconhecimento como quilombos de bairros rurais com presença de negros, mestiços ou brancos indefinidos, ou de comunidades que nunca antes fora reconhecida como de ex-quilombolas, levaram a Casa Civil a pedir um parecer da AGU. O resultado é um passo atrás no reconhecimento de ex-quilombos e das terras tradicionalmente usadas pelos seus moradores.

Há uns quinze ou vinte anos atrás, quando diversos antropólogos começaram a estudar comunidades rurais com forte presença de negros, fez-se um levantamento das comunidades que teriam advindo de antigos quilombos ou de moradores que haviam herdado terras de antigos proprietários, até antigos donos de escravos, que lhes haviam doado tais terras em seus testamentos de morte. Pelo menos 230 tais comunidades foram reconhecidas e muitas foram estudadas. A maioria dessas comunidades estavam localizadas no Centro-Oeste e na Amazônia, mas havia delas até em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A partir do governo Lula esse número foi elevado para mais de 1.500, e alguns falam em mais de 3.000, depois que um decreto presidencial ampliou os conceitos de quilombo e de quilombolas para comunidades de afro-descendentes, mesmo que não tivessem resultado de ex-quilombos ou de doação de terras. Por sua vez, os primeiros relatórios de antropólogos sobre algumas dessas comunidades, com base nesse decreto presidencial e levando em conta o conceito de tradicionalidade tal qual referido a comunidades indígenas, reconheceram como terras quilombolas áreas de grande extensão sobrepondo-se sobre terras de proprietários de longa data e até de bairros urbanos e, por fim, terras usadas por militares, como a Aeronáutica, em Alcântara, no estado do Maranhão, e a Marinha, na restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro. Daí é que a Casa Civil foi acionada e acionou, por sua vez, a AGU.

O resultado é este que essa matéria do Estado de São Paulo publica hoje. Um atraso está à vista. Do exagero, vem um retrocesso. O mesmo está para acontecer com o reconhecimento de terras indígenas. Aliás, a AGU já preparou sua Instrução Normativa a respeito, mas sofre a resistência de todos nós, inclusive o Ministério Público. O problema é que, ao querer regulamentar um assunto que tem muita mistificação, a AGU deixa de lado a verdade histórica e termina criando novas ambiguidades que provocarão mais controvérsias.

O indigenismo rondoniano tem que estar atento para mais uma mistificação que pode resultar em perdas para os povos indígenas.

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AGU intervém e concessão de terras para quilombolas é suspensa
Advocacia da União quer reduzir poder do Incra, que considera excessivo, mas comunidades resistem a mudança

Roldão Arruda, O Estado de São Paulo


Por uma falha interna do governo, o processo de demarcação de terras de remanescentes de quilombos está sendo paralisado no País. O centro do problema está localizado no órgão encarregado de demarcar e titular as terras - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De acordo com análises internas, a autarquia concentrou poderes excessivos e criou atritos com outras instituições, como a Marinha e os Ministérios do Meio Ambiente e o da Defesa, entre outros.

Desde dezembro o governo tenta mudar a Instrução Normativa nº 20, com a qual o Incra definiu, em setembro de 2005, suas tarefas em relação aos quilombos. Mas não obtém sucesso por causa dos quilombolas: eles se recusam a discutir a nova instrução normativa e o governo não pode colocá-la em vigor sem ouvi-los.

Por causa do impasse, os órgãos oficiais continuam tocando os processos de demarcação em andamento, mas relutam em aceitar novos pedidos. Daí a paralisia que já se verifica.

A polêmica começou em setembro. Foi quando o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), vinculado à Presidência da República, depois de receber reclamações de diferentes órgãos do governo, encaminhou à Advocacia-Geral da União (AGU) um pedido para coordenar um grupo de trabalho interministerial - com a tarefa de aparar as arestas e aprimorar as demarcações.

Após dois meses e meio de debates, a AGU concluiu que o nó do problema estava na instrução do Incra, como explica o consultor-geral da União, Ronaldo Araújo Vieira Júnior: "Em 2003, quando o presidente Lula assinou o Decreto 4.887, que regulamenta o artigo 68 das Disposições Constitucionais, sobre a legalização de quilombos, ele transferiu para o Incra a tarefa de demarcar e titular as terras. Em 2005 o Incra publicou sua instrução, com orientações para o trabalho. Mas assim que foi posta em execução ela causou problemas."

Segundo o consultor, o maior problema foi o excesso de poderes dados aos funcionários da autarquia na solução de conflitos. "Hoje, quando surgem controvérsias jurídicas entre órgãos do governo sobre as áreas reivindicadas pelos quilombolas, quem resolve é o superintendente regional do Incra", diz, dando um exemplo. "Na minuta da instrução normativa que preparamos, e que está à espera de discussão, o órgão encarregado de dirimir as dúvidas jurídicas será a AGU. Ela decidirá, por exemplo, se é o Incra ou o Ibama que está com a razão numa disputa. Por outro lado, se a controvérsia for política, ela será dirimida pela Casa Civil."

BALIZAS

A nova instrução também detalha balizas técnicas para definição dos quilombos. "Do jeito que está, o texto parece carta de princípios. A proposta é usar como paradigma a portaria que trata do reconhecimento das terras indígenas e eliminar critérios subjetivos", conta Vieira.

A minuta trata até da contratação de antropólogos para o trabalho de certificação dos quilombos. "Tivemos que especificar que antropólogos que possuem contratos de trabalho com as comunidades quilombolas não podem ser usados nesta tarefa, para não haver contradição de interesses."

Para o consultor, o eixo norteador das mudanças é a sustentabilidade jurídica: "Não adianta fazer demarcações a toque de caixa, para mais tarde vê-las derrubadas no Judiciário."

A minuta está pronta desde dezembro. Mas para vigorar o governo precisa apresentá-la às comunidades quilombolas - uma vez que o País é signatário da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela qual povos indígenas e tradicionais devem ser consultados sobre leis que afetem suas comunidades.

Os quilombolas não aprovam a minuta. Seus representantes estão se reunindo para discutir uma estratégia de ação, mas evitam falar sobre o assunto. Na opinião do deputado estadual Simão Pedro (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Quilombolas, a retração dos quilombolas é justificável: "A demarcação de suas terras tem sofrido tantas pressões contrárias e tantos ataques da bancada ruralista do Congresso que é natural desconfiarem da mudança. Acho que o governo não deve recuar e deve manter a instrução do Incra."

No Incra, a assessoria de imprensa informa que a instituição apenas leva adiante pedidos de demarcação que recebe; e que a Instrução Normativa nº 20 permanece em vigor.



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