Antropologia
O Sambódromo faz 25 anos
O Sambódromo faz 25 anos
Mércio P. Gomes
Antropólogo, Universidade Federal Fluminense
Neste Carnaval, o Sambódromo completou galhardamente 25 anos de existência, proporcionando ao samba e ao Carnaval brasileiros um deslumbrante espaço de desfile do samba e exibição do espírito carnavalesco carioca. Mais do que isso, a ideia do Sambódromo espalhou-se pelo Brasil, de Porto Alegre a Manaus, e tornou-se o espaço majestoso dos desfiles de escolas de samba, de boi-bumbá, de concertos clássicos e populares, de festas cívicas. O Sambódromo é hoje uma instituição brasileira e o do Rio de Janeiro é seu representante mais aclamado.
Lembremos um pouco da história da criação do Sambódromo e dos seus três criadores: Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer e Leonel Brizola. Gostaria aqui de homenagear o idealista Darcy Ribeiro, guardando para outra ocasião a recordação dos dois outros criadores.
Darcy Ribeiro, ao contrário das aparências, não era dado ao Carnaval, antes do seu exílio em 1964. Nem mesmo ao futebol. Costumava contar que se espantou num dia de Julho de 1950, quando trabalhava no Serviço de Proteção aos Índios, localizado num prédio portentoso do Ministério da Agricultura, ao lado do recém-construído Estádio do Maracanã, e avistou de sua janela uma multidão saindo chorosa e cabisbaixa após a derrota da seleção nacional contra o Uruguai. Na época Darcy se concentrava nos problemas brasileiros em relação aos índios, como depois iria pensar na educação, na reforma agrária e na politica nacional.
O exílio de 13 anos é que mudou Darcy, como mudou a muitos. A volta ao Brasil confirmou sua fé no país, na cultura brasileira, na sina de sua formação histórica e no seu destino como povo-nação. Darcy voltou e deslumbrou-se com tudo que havia no Brasil, do Carnaval aos festejos da Semana Santa, da mulata às meninas liberadas, do riso fácil às carrancas do São Francisco.
Ao eleger-se vice-governador na chapa de Leonel Brizola, em novembro de 1982, e ter tomado posse também como secretário de cultura, Darcy enveredou pela ideia de transformar o Rio de Janeiro no centro cultural da nação, no miolo efervescente do que o país estava prometendo naqueles anos de distensão politica, de antecipação de democracia, de furor cívico pela retomada do caminho do desenvolvimento econômico, das reformas sociais e educacionais e da liberalização desbragada da cultura popular.
O Sambódromo surgiu em primeiro lugar como uma solução econômica, já que todo ano o governo torrava dinheiro ao contratar empresas de construção de arquibancadas temporárias e inseguras. Mas foi no encantamento de criar algo de novo e no projeto de Oscar Niemeyer que o Sambódromo virou fonte de deleite estético e cartão postal do Rio de Janeiro.
Os críticos foram ácidos, mal-humorados e desavergonhados em seus argumentos, e vinham da direita raivosa e da esquerda despeitada. Um amigo me lembrou de um famoso sambista que comentava no programa mais popular da Rádio Globo, comandado por Haroldo de Almeida, que, ao visitar o Sambódromo um dia, teve que confessar no programa: ?Não tem jeito, não, Haroldo, o troço é bonito pra dedeu!?
O Sambódromo destinava-se também a servir à educação. Fora o período carnavalesco, os camarotes tinham o formato que podiam ser adaptados a salas de aulas e os salões podiam funcionar como setor administrativo. Turmas de 1.000 alunos estudaram ali durante os anos dos dois governos Brizola, mas o sistema educacional foi desativado em seguida.
Samba podia dar educação. Pouca gente tentou depois disso. Darcy Ribeiro não se amargurava por nada. Seu sentimento é de que o quê entra no coração do povo-nação fica. Construído de pé ou descansando na memória indelével. O Sambódromo é a passarela do samba, o ícone máximo da cultura popular brasileira, a educação pública de qualidade um dia rejuvenescerá.
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