Antropologia
O Globo diz que Blog desanca presidente da Funai
O jornal
O Globo, de ontem, domingo, deu na coluna de Ilimar Franco, escrita com a colaboração de Evandro Éboli, dois grandes jornalistas, a Nota abaixo, que contem um certo tom de crítica, tanto por sugerir que o Blog e eu nos dedicamos a desancar o presidente atual da Funai e a política indigenista do governo Lula, quanto por ironizar que eu finjo que não tenho nada a ver com a coisa, ou como se eu não fosse parte da coisa criticada, ou ainda como se estivesse sendo infiel ao governo do qual participei.
Eis a Nota dos jornalistas.
O Globo, 31/05/09
Prato que comeu (Panorama Político)
Depois de quase quatro anos na presidência da FUNAI, o antropólogo Mércio Pereira criou um blog. Nesse espaço, tem se dedicado a desancar seu sucessor, Márcio Meira, e a política indigenista do governo.
Como se nada fosse com ele.Bem, tenho alguns comentários a fazer sobre isso.
1. Em primeiro lugar, chamo a atenção para o leitor desse Blog de que sempre assumi que tenho, sim, tudo a ver com a política indigenista brasileira e me preocupo sobremaneira com o que acontece com ela. Assumo minha gestão na Funai com todo fervor e por isso mesmo é que me desconcerta ver o que está acontecendo lá nesses últimos tempos. Depois de quase quatro anos em que conseguimos realizar uma administração voltada para os interesses dos povos indígenas, em que a relação com os povos indígenas ficou equilibrada, onde foi realizada a Primeira Conferência Nacional dos Povos Indígenas, quando foram homologadas 67 terras indígenas totalizando 11.000.000 hectares, inclusive a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, quando se abriram espaços de atuação a grande número de jovens indígenas em diversos setores importantes da Funai, sem intermediação de Ongs -- não há como não se preocupar com o que está acontecendo na atual gestão da Funai.
E discorrerei aqui sobre as falhas que tenho criticado.
Porém, não sem antes dizer que a crítica à atual gestão da Funai não compreende nem 10% das matérias que coloco, discuto ou comento neste Blog. Basta ver ao lado a amplitude de discussões deste Blog. O Blog não personaliza o presidente da Funai e sim sua gestão, que inclui alguns dos seus principais colaboradores. E não sem antes lembrar aos leitores desse Blog e do jornal
O Globo que outras pessoas que tiveram atuação político-administrativa no governo Lula também fazem suas ressalvas e críticas a aspectos da política lulista, mesmo o apoiando na maioria de suas políticas, como eu o faço. Penso precisamente na ex~ministra Marina Silva (bem como em alguns de seus colaboradores), que passou seis anos como ministra, defendendo uma determinada política, é quadro petista, e que, de fora, como eu, critica com muita convicção aquilo que vê errado na gestão do seu sucessor, o ministro Carlos Minc, bem como critica veementemente o rumo que a política ambientalista vem tomando nos últimos tempos.
Podemos questionar: com razão ou sem razão? Não sei, há controvérsias. Mas o mesmo pode ser dito deste Blog. Pode ser que não tenha razão em alguns aspectos, mas para isso o Blog está aberto a comentários e criticas, como têm feito alguns participantes.
2. Portanto, critico a atual gestão da Funai pelos seguintes motivos:
A. Escanteou desde o início os principais indigenistas da administração, exceto um ou outro, e, em seus lugares, contratou um quantidade excessiva de quadros políticos sem experiência com povos indígenas e cujos interesses maiores são pessoais. A Funai se transformou, pela primeira vez, em cabide de emprego.
B. Demitiu quadros indígenas que trabalhavam com afinco e competência na Funai, tanto na sede quanto nas administrações regionais, pelos motivos mais mesquinhos. Deixou o órgão sem a capacidade de treinar pessoal indígena para ir aos poucos assumindo as ações indigenistas essenciais e um dia dirigi-lo em sua integridade.
B. Escancarou a Funai para a atuação direta de diversas Ongs, algumas com parentes e aderentes, nos cargos mais estratégicos do órgão. As mesmas Ongs que antes criticavam o papel indigenista da Funai, considerando-o caduco, hoje dão as cartas no órgão indigenista e o estão levando para situações extremas de impasses indigenistas e ineficiência de atuação. Há, inclusive, suspeita de favorecimento de contratos com Ongs que têm ex-diretores e colaboradores trabalhando na Funai.
C. Elevou o tom messiânico e salvacionista do órgão ao ponto em que, por reação explícita, o tradicional segmento anti-indigenista brasileiro passou a agir com destemor nos diversos campos políticos, seja o Congresso Nacional, os chamados entes estaduais e municipais e a opinião pública. Até um distinto filósofo, a quem extendo minha crítica com frequência, passou a se manifestar com críticas acerbas à Funai, aos povos indígenas e à política indigenista brasileira.
D. Esse tom messiânico fez até o Supremo Tribunal Federal, ao votar sobre o caso Raposa Serra do Sol, exarar uma série de ressalvas ao voto confirmatório da homologação daquela terra indígena, ressalvas estas que, ao serem aplicadas, invibializarão as necessidades de demarcação de terras de diversos povos indígenas ainda carentes de justiça e de terras.
E. Como resultado mais evidente, paralizou a demarcação de terras indígenas, mesmo aquelas que haviam sido objeto de portaria declaratória do Ministério da Justiça.
F. Agregou acriticamente, sem respaldo dos quadros mais consequentes do órgão, a Funai à pauta tradicional das Ongs e do CIMI, no que diz respeito à mudança do Estatuto do Índio, num momento extremamente negativo aos povos indígenas.
G. Ensejou o movimento indígena, controlado por algumas associações indígenas, a dar respaldo a essa intenção de mudanças, propalando uma proposta de novo estatuto do índio como se fosse a tábua de salvação dos povos indígenas e a alavanca que os propelaria para um novo patamar de relacionamento com a sociedade brasileira. Esqueceu, com isso, a participação de inúmeras lideranças de raiz que não querem que as mudanças propostas sejam efetivadas no Congresso Nacional. Especificamente falo da proposta de abolir a tutela do Estado aos povos indígenas.
H. Por todas essas ações, realizadas por atos administrativos intempestivos, a situação indígena brasileira encontra-se num impasse tremendo. Até o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que apoia a atual gestão da Funai, em seus variados editorias, reconhece o nível que chegou o anti-indigenismo brasileiro, a pressão exercida por políticos, jornais, governadores e outros sobre a questão indígena brasileira da atualidade.
I. Estar atento às ações da Funai tem sido minha preocupação como antropólogo há muitos anos. Não é de hoje, nem é sobre a atual gestão da Funai, que desenvolvo meu pensamento a favor dos índios brasileiros. Escrevi um livro sobre a política indigenista brasileira que abrange desde a época colonial até a Constituição de 1988 (
Os índios e o Brasil, Vozes, com segunda edição em 1991), o qual teve duas edições e está traduzido para o inglês. Meu livro
O índio na História (Vozes 2002) analisa a questão indígena brasileira em relação ao povo Tenetehara e trata da aplicação dessa política ao longo de 400 anos e das consequências para aquele povo indígena. Recentemente publiquei o artigo
Por que sou rondoniano, na revista
Estudos Avançados em que demonstro como o Marechal Rondon deu consciência indigenista ao Brasil e como criou as bases do nosso indigenismo, sem o qual estaríamos no nível atrasado que estão outros países, inclusive favorecendo as atitudes positivas a favor dos índios, como bem demonstra a demarcação de 13% do território brasileiro para os povos indígenas. Escrevi este artigo para tentar estabelecer a verdade sobre o que constitui o indigenismo e a relação entre o Brasil e os povos indígenas, pois que, para uma grande maioria das pessoas que trabalha para Ongs indigenistas, por falta de visão histórica, Rondon é visto como um homem que prejudicou mais do que ajudou aos povos indígenas brasileiros.
J. Continuarei em minha tarefa de avaliar criticamente aquilo que se faz na Funai, na política indigenista brasileira, nas políticas indigenistas de outros países, e no panorama internacional dos povos indígenas. Este Blog dedica mais da metade de seu espaço a essa tarefa. Futuramente, talvez, os demais assuntos que o concernem, como a Antropologia e a Cultura, absorvam mais a nossa atenção. Por enquanto está indo muito bem, com boa participação de leitores de mais de 400 cidades brasileiras, há dois anos e dois meses, da maneira como está.
Obrigado a todos pela atenção. Meus agradecimentos extensivos também a Ilimar Franco, Evandro Éboli e ao jornal
O GLOBO pela oportunidade que me levou a fazer essa declaração explicativa.
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