Continua Artigo no jornal Brasil de Fato
Antropologia

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Concurso público

A participação de índios nos quadros da Funai é desejada. Porém, não em forma de cooptação, como vinha sendo feita, mas dentro dos princípios da administração pública, por competência reconhecida e mediante concurso público, a ser feito para preencher 500 das mais de 3 mil vagas existentes. É por elas que se espera uma nova participação de índios e não-índios interessados em trabalhar pela questão indígena.

A Funai é um órgão do Estado brasileiro. Tem obrigações para com os povos indígenas e para com a nação brasileira. Funciona como se fosse um intermediário entre os povos indígenas e a sociedade brasileira em geral. O papel de tutora, que lhe é conferido pelo Estatuto do Índio (cujo 30º aniversário foi comemorado dia 19 de dezembro de 2003), é que lhe permite exercer essa função. Ser tutora nunca significou um impedimento ao exercício dos direitos de cidadania e aos direitos especificamente indígenas, como já frisou o eminente jurista Dalmo Dallari, e sim um acréscimo de garantia especial do Estado brasileiro para com os interesses maiores dos povos indígenas.

Muitas pessoas, inclusive antropólogos, advogados, parlamentares e curiosos em geral, querem retirar esse instrumento jurídico em um novo Estatuto que está para ser discutido nos próximos meses no Congresso Nacional. Acham que não corresponde aos novos tempos em que muitos povos indígenas, sobretudo muitos jovens indígenas educados no sistema educacional brasileiro, se sentem constrangidos, se não inferiorizados, pela idéia de serem tutelados. Criar um novo instrumento jurídico que tenha as funções de defesa dos direitos específicos dos povos indígenas vai ser um repto à inteligência jurídica nacional. A retirada da tutela talvez seja um risco para a defesa daqueles povos que continuam a exercer sua vida cultural nos moldes tradicionais e que ainda não querem se inserir nos meandros da vida política brasileira.

Responsabilidade

A política indigenista do Estado brasileiro não é executada exclusivamente pela Funai. São diversos os ministérios e instituições governamentais que atuam diretamente com os povos indígenas. O Ministério da Saúde, através da Funasa, é que cuida das questões da saúde, tendo um orçamento que chega a uma vez e meia o orçamento da própria Funai. O Ministério da Educação cuida da educação indígena. O Ministério do Meio Ambiente tem orçamento de largo espectro para apoiar projetos relacionados ao meio ambiente e à produção econômica. Por sua vez, as organizações não governamentais têm recursos de diversas ordens que são aplicados em projetos feitos diretamente com os próprios índios, em geral com as associações de lideranças indígenas mais jovens que possuem uma visão mais urbana e integrada (apesar do discurso contrário) com o mundo moderno.

Entretanto, quando qualquer coisa dá errado na realização prática de políticas indigenistas, invariavelmente a Funai é a culpada. É preciso que a sociedade brasileira se dê conta de que há outras instituições com atuação indigenista e que conseqüentemente seja capaz de cobrar delas a responsabilidade devida. I

O Estado se fez responsável pela questão indígena desde 1910. Durante os anos de existência do antigo Serviço de Proteção Indígena (SPI), criado pelo marechal Cândido Rondon, e até recentemente pela Funai (criada em 1967), quase tudo que concernia a problemas de relacionamento entre índios e não-índios estava nas mãos desses órgãos. Hoje não é mais assim. Muitos órgãos têm seu peso na política indigenista e, portanto, exercem atividades pelas quais são responsáveis. As soluções para os graves problemas de demarcação e garantia de territórios indígenas estão ficando cada vez mais exíguas, precisamente pela expansão da agricultura e pecuária em áreas tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. Levantar a voz em prol dessa causa é um ato de nobreza do povo brasileiro. Apontar os equívocos de atuação indigenista de todos os órgãos concernentes, estatais ou privados, é um dever, ao qual deve se seguir o reconhecimento integrado do problema. Ao final, ajudar a buscar soluções é um ato de sabedoria, para o qual conclamamos a todos.

O governo Lula é um governo de esperança e de ação. O ano de 2004 confirmará seus propósitos na política indigenista brasileira.

Mércio P. Gomes é antropólogo, autor do livro O Índio na História (Vozes 2002) e presidente da Funai

Nesta semana, excepcionalmente, a seção Debates traz um único artigo. Trata-se da resposta à polêmica iniciada na edição 42, quando foi publicado artigo de Éden Magalhães, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), sobre a política indigenista do governo Lula.



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