Ministério Público Federal libera gado na Ilha do Bananal
Antropologia

Ministério Público Federal libera gado na Ilha do Bananal



Este é um dos exemplos claros de intervenção indébita. Como pode o Ministério Público Federal interferir diretamente na administração da política indigenista brasileira? E ainda assim forçando uma atividade que é considerada ilegal, cujo histórico é negativo para os povos indígenas? E cuja prática tem sido um dos principais motivos para a desmoralização dos povos indígenas e para a invasão de suas terras? Será que esse procurador não sabe disso? Será que o MPF não discute um assunto como esse?

Aí está o leite derramado. Um procurador do MPF liberou o arrendamento de pasto na Ilha do Bananal, na área que pertence aos povos indígenas Karajá e Javaé, sob o argumento de que ele não tinha encontrado solução para a questão econômica daqueles povos indígenas. Ora, mas cabe a um procurador federal ter solução econômica para os povos indígenas?

Um pequeno histórico para esclarecer melhor a questão. Desde a década de 1950 os índios Karajá e Javaé vinham tendo parte de suas terras, ricas em pastos naturais, invadidas por fazendeiros que lá colocavam seu gado à revelia dos índios. A terra ainda não estava formalmente reconhecida como indígena, apesar de sua evidente constatação. O antigo Serviço de Proteção aos Índios terminou acatando essa presença de gado e cobrando uma espécie de foro, parte do qual era revertido para os índios. Mas sempre com desvantagens para os índios.

Aos poucos, do pasto utilizado os fazendeiros foram colocando fazendas, com vaqueiros e casas de residência para eles. E muita gente lá entrou e passou a viver na Ilha, como se índios fossem. A Ilha do Bananal ficou em perigo de ser perdida. Nos últimos 20 anos começou uma reação forte para reaver a Ilha em sua integridade. Há uns dez anos centenas de famílias foram retiradas de lá, inclusive com a ajuda do MPF, na pessoa de Mário Lúcio, e do indigenista Edson Beiriz. Com a demarcação de uma grande parte da Ilha que ainda não fora reconhecida como indígena, a Terra Indígena Inawebohoná, a situação foi se consolidando positivamente. Esta terra foi demarcada e homologada na minha gestão, depois de muito conflito com fazendeiros e também com o Ibama, que a queria para ser uma reserva florestal.

Com muito sacrifício, índios e Funai conseguiram retirar os últimos bois de fazendeiros em agosto do ano passado. Só ficaram os gados dos próprios índios, e aqueles que tivessem alguma vocação para cuidar do gado estavam dispostos a tomar conta desse gado, com ajuda de assistência técnica e com investimentos da Funai. Entretanto, aos poucos, os fazendeiros começaram a fazer o jogo de cerca lourenço, prometendo vantagens para alguns índios. E o gado foi entrando.

Agora, sob a chancela de um procurador federal, é demais! E a justificativa de que os índios precisam de renda é muito fácil. Quem não precisa de renda? Daqui a pouco vai ser permitido vender madeira porque sempre se precisa de renda.

O acordo promovido pelo MPF diz que serão 20.000 cabeças de gado a usar o pasto da terra indígena e que os índios receberão R$ 5,00 por cabeça de gado. Uma das justificativas é de que os próprios índios é que vão cuidar do gado. Cuidar de mil, duas mil cabeças de gado é até possível. Mas essa quantidade e o que mais vier evidentemente terá moradores e vaqueiros dos fazendeiros. É de dar raiva ao pensar em tanto sacrifício pessoal e político e voltar tudo para trás.

Agora, se os índios, em sua maioria, concordaram com arrendar e aforar suas terras, aí não se pode fazer nada. Eles são autônomos e auto-determinados. Só rezar para que o gado não acabe com suas terras e eles fiquem dependendo de arrendamentos e aforamentos para sempre.

Quanto ao desenvolvimento étnico e interno a partir de sua cultura, sociedade e economia, já era. O custo social, político e cultural vai vir aí.

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Índios receberão R$ 5 por cabeça de gado; previsão é que não índios criem 20 mil bois

Críticos consideram medida ilegal e veem possibilidade de apropriação da terra por criadores; procurador alega falta de opção econômica

FELIPE BÄCHTOLD
DA AGÊNCIA FOLHA

Um acordo firmado há duas semanas passou a permitir que não índios criem bois dentro da terra indígena da Ilha do Bananal (TO) mediante pagamento para os líderes das tribos.

Criticado por especialistas, o acordo foi elaborado pelo Ministério Público Federal, que desistiu da ideia de banir a criação de gado no local -defendida até o ano passado.

Em 2008, a Justiça Federal determinou a retirada de mais de 100 mil cabeças que eram mantidas por não índios no local por meio de negociações informais com líderes indígenas.

De acordo com o Ministério Público Federal, sem o dinheiro, houve "carência econômica e alimentar" nas comunidades indígenas do área.

A ilha é considerada a maior fluvial do mundo, com área equivalente a 3,5 vezes a do Distrito Federal. Cerca de 75% do local é terra indígena -o restante é área de preservação. Lá vivem 3.500 índios.

O plano prevê até 20 mil cabeças de gado na terra indígena. Os índios devem receber como adiantamento R$ 5 por animal. O dinheiro será administrado pela associação Conselho da Etnia Javaé.

Cada criador de gado terá direito a ter um vaqueiro não índio trabalhando dentro da terra indígena. Os índios, porém, também vão ter que participar do manejo dos bois.

"O próprio índio vai cuidar do gado", afirmou o líder javaé Vanderson Suará.

Ele diz que até as festas tiveram que ser reduzidas por falta de dinheiro provocada pelo fim dos acordos informais.

"O cacique alugava um carro para fazer compras na cidade. Quando o gado saiu, não teve mais", disse Suará.

O procurador da República Álvaro Manzano diz que buscou alternativas econômicas para os índios da ilha, como financiamento de bancos e programas do governo federal, que não se mostraram viáveis. Para ele, os índios da ilha "não estão transferindo a posse da terra para um estranho" porque vão ajudar a criar o gado.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) é contrário ao acordo. Para a conselheira Sara Sanchez, a medida constitui um "arrendamento" de terra, o que é inconstitucional.

Sara Sanchez considera que os não índios podem tentar se apropriar das áreas e afetar negativamente a forma de viver e a cultura das tribos.

O professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Paulo Santilli, que trabalhou na identificação de terras indígenas na Funai (Fundação Nacional do Índio), também questiona a legalidade do acordo e afirma que ele deve ser derrubado por se tratar de um tipo de arrendamento.

A regional da Funai no Tocantins participou da elaboração da parceria. Procurada pela Folha, a direção da fundação em Brasília não se manifestou sobre o assunto.



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