Antropologia
Indefinição na Funai piora situação indígena
Há três meses foi anunciado que a atual direção da Funai ia sair, por razões não declaradas. Supõe-se que por desgaste pessoal dos dirigentes, por pressão de políticos insatisfeitos, de todos os partidos e matizes, e pela irrevogável incompatibilidade desses dirigentes com os índios, mesmo com aqueles que fazem parte de sua coluna de apoio, os índios dependentes das ongs estrangeiras e nacionais, e os que foram cooptados e que conseguiram arrefecer a insatisfação dentro de suas sociedades. A própria Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), formada em paridade por sete representantes indígenas e sete governamentais, além de dois representantes de ongs, retirara seu apoio à direção da Funai porque o atual presidente teria faltado a uma importante reunião convocada pelo próprio, em julho passado. A CNPI, insuflada pelos ilusionistas representantes das ongs, bateu o pé e disse que só retomaria o diálogo com a Funai se a presidente Dilma os recebesse em audiência. Ora, esticaram a corda demais e a presidente nem deu bola. Agora o único sustento político da atual direção da Funai vem das próprias ongs que o vêm apoiando desde sempre e que evidentemente ganharam bons "dividendos indigenistas" nesses últimos cinco anos.
O desgaste da direção está à vista de todos, mas o pior ficou com a Funai. O órgão indigenista se deteriorou profundamente em suas simples ações assistenciais, que têm sido essenciais para os povos indígenas em constante luta pela sobrevivência diante do mundo que os comprime cada vez mais. Sua deterioração se dá também na sua obrigação constitucional de defender a causa indígena e ao menos de reagir às ameaças que vêm ocorrendo sobre as terras indígenas e os direitos indígenas. Não adianta espernear e fazer firulas de contrariedade. A questão é ter força política e moral para se contrapor aos atos anti-indígenas e às ameaças aos direitos indígenas que crescem a cada dia no país. Ameaças do porte de invasões de terra e mudanças na Constituição para retirar as prerrogativas de identificar e demarcar terras indígenas.
O caso dos Pataxó Hãhãhãe, do sul da Bahia, é emblemático. Há 10 dias um grupo organizado de mais de 300 homens Pataxó tomaram uma grande quantidade de fazendas, disseram que mais de 60, situadas dentro dos limites de suas terras, as quais foram demarcadas em 1936, mas que não foram homologadas pelas invasões ocorridas na década de 1960, e pelo descaso com que o STF vem tratando a questão, já há 30 anos sobre as mesas de vários ministros. Pois bem, os índios estão nessas fazendas, a ameaça de conflito com fazendeiros e seus capangas é real, o governador do Estado da Bahia, Jacques Wagner, do PT, quer retirar os índios e transferi-los para não sabemos onde, e o STF procrastina na sua decisão. Uma comissão de índios vem sendo levado para cima e para baixo em Brasília sem que o governo tome providências. Empurra com a barriga, mais uma vez. E a Funai nem parece estar sendo consultada.
Basta vermos que, nos últimos três anos, nenhuma terra indígena nova foi efetivamente demarcada, e todas os grupos de trabalho criados para identificar terras indígenas resultaram em pouco mais do que propostas vãs. Criar grupos de trabalho virou a auto-ilusão da atual direção da Funai. Dizem que mais de 100 já foram criados, mas resultado que é bom, nada. Só para comparar: no primeiro governo Lula, (no qual tive a honra de presidir o órgão) foram demarcadas 51 e homologadas 67 terras indígenas; neste segundo governo e no primeiro ano do governo Dilma, apenas cinco terras foram demarcadas e 21 homologadas. O pior é que as terras já identificadas em outras administrações passadas estão paralisadas, sofreram retrocesso ou estão com seus processos em grave crise judicial. A estratégia e as táticas de demarcação da direção atual do órgão, junto com a leviandade de seus apoiadores é que levaram a essa situação paralisante e calamitosa.
O fim das demarcações, tal como foram feitas até agora, pelo método rondoniano, parece estar à vista de todos, engane-se do contrário quem quiser. O altíssimo custo desse legado vai pesar sobre aquelas populações indígenas que tiveram a visão de que poderiam retomar terras perdidas por invasão ou por terem sido deslocados; suas visões e aspirações viraram ilusões e decepções.
O caso Guarani do Mato Grosso do Sul é o mais evidente pela tragédia que afeta os índios e pela tragicomédia que vem sendo criada pelas ongs e pela ala católica. Em 2008 a Funai foi instada por pressão do Ministério Público a criar cinco GTs para reconhecer terras guarani em vinte e tantos municípios daquele estado. O coordenador desses grupos de trabalho, um antropólogo que há 40 anos vive exclusivamente de fazer consultoria e projetos para os Guarani, desceu esbaforido em Campo Grande para anunciar que a Funai e seus GTs iriam demarcar cerca de 800.000 a 1.000.000 de hectares no cone sul daquele estado. E pronto! A reação veio borbulhante e impiedosa, da parte dos fazendeiros, dos políticos locais e nacionais e do seu representante-mor, o governador do estado. Nenhuma terra foi estudada e nenhuma veio a ser minimamente identificada para se levar um processo de demarcação adiante. Pior: mesmo aquelas terras já em processo de demarcação sofreram retrocesso jurídico e político e voltaram à estaca zero. No Mato Grosso do Sul, os Terena, cujas áreas de terras são igualmente mínimas, sofrem iguais prejuízos provocados por bazófias e ilusões criadas por ongueiros.
Prevalece na Funai e no indigenismo oficial e ongueiro um clima de guerra perdida e terra arrasada. Não há mais resistência aos desmandos perpetrados, e a desorientação é geral. Os índios não sabem a quem pedir ajuda e assistência, e nem sabem mais como protestar. E se protestar, mesmo com astúcia, são repelidos, enrolados e depois relegados ao esquecimento. São chamados para conversar em Brasília e lá nada acontece. Suas vidas agora dependem de gente de toda estirpe, de ongueiros a fazendeiros, de vereadores e prefeitos locais a agências internacionais. Apelam agora até para deputados e senadores de direita, que os escutam com ar de surpresa, fingindo que os irão ajudar.
A Associação Brasileira de Antropologia permanece abúlica, em santa calmaria, a esperar algum acontecimento novo. Não quer se dar conta de que a política indigenista brasileira, que demarcou 13% do território nacional para os povos indígenas, está sendo mal dirigida exatamente por aqueles que sempre foram contra o indigenismo rondoniano. Protesta contra fazendeiros e madeireiros, contra hidrelétricas e estradas, até contra o governo federal, democrático e de esquerda, em vão, sabe muito bem, mas deixa que a Funai seja destroçada e aniquilada por políticos e fazendeiros, e por burocratas, alguns antropólogos jejunos e irresponsáveis e incautos aprendizes de indigenismo que dela se apossaram.
Não sei se o governo Dilma Rousseff tem alguma lucidez a respeito do que está acontecendo. Talvez esteja apostando no caos para a questão indígena. Mas a presidenta tem que saber que o caos para os índios é momento de aproveitamento e oportunismo para seus inimigos. Terras, saúde, educação, futuro, tudo está em jogo para os índios. Seria uma vergonha nacional inominável se o caos se instalar. Por enquanto as instituições funcionam mal e mal. Os índios pagam por isso. Mas o preço pode vir a ser muito mais caro no futuro próximo.
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