Antropologia
Funai e Ministério Público lamentam não terem demarcado terras para os Guarani
Em Campo Grande começou desde o dia 22/11 um seminário para os analistas antropólogos do Ministério Público Federal. A intenção é discutir os problemas que os analistas encontram na sua tarefa de defender índios, quilombolas e outras minorias.
Na abertura esteve presente uma plêiade de autoridades que, de algum modo, têm tido interesse na questão indígena. O próprio ministro-chefe da Advogacia Geral da União, Luiz Inácio Adams, que é cotado para ser indicado para o STF, e que tem cumprido o papel de fazer as conciliações entre entes do governo, como a Funai e o Ibama, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e a subprocuradora-chefe da 6ª Câmara, Debora Duprat, além dos ministros de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, também abrilhantaram o evento, além de deputados locais, o presidente da Funai, alguns antropólogos e missionários, formando um grupo coeso que tem trabalhado em conjunto nesse segundo mandato do presidente Lula.
O essencial dessa abertura foi a lamentação geral das autoridades e dos antropólogos que tomaram a palavra e que foram entrevistados depois pelos jornais locais. Lamentaram não terem conseguido demarcar nenhuma terra indígena nova nesses últimos três anos, especialmente para os Guarani do Mato Grosso do Sul. Lamentaram também a realidade jurídica das ressalvas estabelecidas pelo STF por ocasião da afirmação da homologação da TErra Indígena Raposa Serra do Sol. A maioria dessas ressalvas impõe sérias dificuldades para o reconhecimento de terras indígenas de onde os índios houveram sido deslocados ou expulsos. Nenhum desses lamentos veio acompanhado de uma auto-crítica, embora certamente alguns deles saibam que têm culpa em cartório por essa falha e por não terem cumprido promessas feitas aos próprios índios, inclusive alguns que estavam presentes.
Ao final, o que ficou de saldo das falas é que a única saída para recuperar terras indígenas no Mato Grosso do Sul seria comprá-las! Isto foi dito especialmente pelo ministro de Direitos Humanos, pelo deputado Kemp, do PT-MS, por um antropólogo presente e pelo atual presidente da Funai.
Para comprar terras indígenas que atualmente estejam no domínio de alguém, mas que tenham sido reconhecidas como de ocupação indígena, a Funai teria que se basear numa legislação constitucional, já que nossa Constituição não admite tal possibilidade, o que significa que o governo teria de propor uma emenda constitucional. O pior é que as autoridades parecem estar de acordo com isso, e diversas afirmaram que de fato o governo vai apresentar uma emenda constitucional para tanto!
Eis o grande perigo que desponta no próximo governo! Mudar a Constituição Federal não é brincadeira, esquenta a cabeça de muita gente e com muitos interesses. Especialmente mudar a CF que contem artigos importantes a favor dos povos indígenas, obtidos a custo de uma grande mobilização da sociedade civil brasileira há mais de 20 anos, é de uma temeridade inominável. Temos um Congresso que vem se tornando cada vez mais anti-indígena, sobretudo nesses últimos três anos em que a política indigenista foi regida com um misto de amadorismo com arrogância, como se Lula tivesse soltado um elefante numa loja de louça e achado que o estrago causado era pouco!
O movimento indigenista rondoniano e as populações indígenas brasileiras estão perturbadas com essa pretensão. Só esperamos que o próximo ministro da Justiça, que parece ser um importante político petista, advogado e professor, não se deixe levar por esse tipo de sugestão.
Mudar a CF seria arriscar perder não só os ganhos legais que substancializam a política indigenista brasileira, mas ainda, seria pôr em suspensão as terras indígenas que foram demarcadas a partir desta Constituição, e para as quais, em muitos casos, seus antigos e presumidos donos não receberam compensação pela perda e pelo seu valor de venda, e sim tão-só pelas benfeitorias e investimentos.
Imaginem se uma emenda constitucional prover que os donos presumidos das terras que lhes foram confiscadas, por serem reconhecidas como indígenas (e da União), têm o direito ao preço de mercado por elas, o que não farão os fazendeiros e políticos-fazendeiros que tiveram que abrir mão de terras que consideravam suas mas que as perderam sem receber nada em troca? Provavelmente levantarão uma imensa celeuma e recorrerão às instâncias jurídicas para desfazer demarcações de terras indígenas em curso ou realizadas no passado recente. Assim, ficarão em suspenso as terras já demarcadas.
Por sua vez, e as terras que foram declaradas indígenas pelo ministério da Justiça, mas que estão sub judice ou mesmo em processo de demarcação atualmente? Provavelmente, um dos argumentos que os advogados dos fazendeiros vão usar -- e agradecer a essas autoridades -- será essa mesma da promessa de mudança constitucional, promessa essa feita por autoridades do governo. É só dizer que vão esperar a mudança, e aí podem até abrir mão de suas propriedades, já que ganhariam com isso.
Eis o novo imbroglio em que pode ficar a questão de demarcação de terras indígenas. Não só não se demarca por questões jurídicas, por causa das decisões baseadas no Acórdão da Demarcação de Raposa Serra do Sol, mas agora por promessas de mudança constitucional!
Por uma dessas o futuro ministro da Justiça não esperava! Nem os índios Guarani tampouco!
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