Antropologia
Impasse no Mato Grosso do Sul
Terminou em impasse a reunião realizada ontem à noite entre o governo federal e o governo estadual do Mato Grosso do Sul a respeito do reconhecimento de terras indígenas naquele estado. É um impasse aos moldes de uma batalha de Pirro, onde ambos ganham na aparência e os índios é que perderão ao final.
Na reunião, que transcorreu durante três horas em clima de tensão e aborrecimento mútuo, estavam presentes, de um lado, o governo do estado, alguns secretários de governo e representantes dos fazendeiros; do outro lado, o presidente da Funai, o secretário de Assuntos Administrativos da Secretaria de Governo federal e demais assessores.
Ao final, ambos de cara amarrada, demonstrando insatisfação com os resultados da reunião, falaram o presidente da Funai e o governador do estado.
O presidente da Funai declarou que estavam suspensos os estudos previstos para serem realizados pelos Grupos de Trabalho criados em junho e enviados ao estado em agosto. Mas não descartava a intenção de demarcar terras indígenas -- embora só depois que fossem resolvidas as questões de ressarcimento dos fazendeiros não só pelos seus benfeitorias e investimentos, mas pelo valor da terra nua, caso as referidas terras viessem a ser reconhecidas como indígenas. Prometeu aos fazendeiros que eles não seriam prejudicados. Aceitou a exigência do governador de compor os grupos de trabalho com funcionários estaduais indicados pelo governador, algo de todo contrário ao espírito e a forma do Decreto 1776/95 que regula o processo de demarcação de terras indígenas.
Por sua vez, o governador do estado, mesmo com algumas vitórias na reunião, esperava mais. Esperava que o processo de demarcação ficasse por conta dele, do seu estado. Ao demonstrar insatisfação com esse acordo, falou que queria o fim dos estudos até que as pendências atuais fossem resolvidas.
O fato é que a exigência do governador, em nome dos fazendeiros, de que as terras em mãos dos fazendeiros reconhecidas como indígenas sejam ressarcidas pelo valor de mercado é ilegal. A Constituição brasileira declara que mesmo de boa fé terceiros em terra indígena só receberão pelo valor de suas benfeitorias aplicadas na terra, nunca pela terra em si, tampouco pelo valor de mercado. Ademais, o valor da terra em Mato Grosso do Sul torna impraticável à Funai e mesmo ao governo federal a sua compra. Basta verificarmos que um hectare no cone sul do estado está por volta de 12.000 reais. Se multiplicarmos por 500.000 hectares, conforme fala o antropólogo encarregado desses GTs, custaria cerca de 6 bilhões de reais. De todo modo, ao final, será pela compra de terras que se dará uma grande parte da solução da falta de terras para os Guarani. Outra parte se dará pela transferência voluntária para terras disponíveis em outros estados.
Mudar a Constituição para contemplar essa exigência é abrir uma caixa de Pandora. Ninguém do indigenismo brasileiro aceitaria isso. Porém, o estado de Mato Grosso do Sul, como estado federativo autônomo, poderia criar uma lei estadual para ressarcir os fazendeiros por suas perdas, caso tivesse a boa vontade em relação aos povos indígenas. E com essa lei, poderia conveniar-se com o governo federal para receber verbas para tal propósito. Não o fará. No governo anterior, do petista Zeca do PT, que ficou por oito anos, bem que tentamos que ele apoiasse um tal projeto de lei proposto por um seu correligionário, mas não o fez. Agora, um governador do PMDB é que não fará.
Além das pendências previstas pelos estudos dos grupos de trabalho, há uma mais evidente e atual. É a portaria ministerial que determina a ampliação da Terra Indígena Cachoeirinha, que tem atualmente cerca de 2.700 hectares, para 36.000 hectares. Tal proposta tem levado os índios Terena que habitam essa terra, perto das cidades de Miranda e Aquidauana, a invadirem diversas propriedades da região que estão no perímetro dessa pretensão. Recentemente invadiram a propriedade do ex-governador Pedro Pedrossian e só saíram depois de três semanas por força policial. O governador do Mato Grosso do Sul disse que mandou emissários para conversar com os índios e ouviu que eles não pretendiam a ampliação tão grande, e que só queriam aumentá-la em cerca de 190 hectares.
Dá para rir de tudo isso, não fosse trágico. O certo é que o impasse no Mato Grosso do Sul vai continuar. Até agora os índios Guarani nem se manifestaram fisicamente, só verbalmente através de manifestos e de assembléias de aty guassu.
Para engrossar o angu dessa disputa originada da má estratégia de confronto criada pela atual gestão da Funai, o bispo de Dourados, Dom Redovino Rizzardo, declarou domingo passado, em reunião com 300 produtores rurais, que repudia a atuação do CIMI em relação à demarcação de terras indígenas no estado e que não se posicionava favoravelmente às portarias da Funai. Disse também que considera que o CIMI não fala pela Igreja nem pela CNBB. Ademais acentuou que orientou os cristãos a não apoiarem o CIMI e não assinarem um abaixo-assinado redigido pelo CIMI em favor das portarias da Funai e da demarcação das terras indígenas para os Guarani. Assim, desabridamente, calou a voz do CIMI naquele estado.
Agora os índios estão largados à própria sorte. A Funai suspende as portarias e o CIMI se desloca por obediência pastoral. Dado o nível de irresponsabilidade e falta de senso histórico da atual gestão da Funai, estava mais do que previsto desde o começo desse imbróglio que os índios é que iriam pagar o pato.
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