CIMI junta-se ao movimento indígena revolucionário
Antropologia

CIMI junta-se ao movimento indígena revolucionário


Ao que tudo indica, o Conselho Indigenista Missionário está tentando de vários modos juntar-se ao movimento indígena revolucionário que está acontecendo em Brasília e em outras partes do Brasil.

A pergunta que se faz é: por quê, quais suas razões e motivações?

Tal pergunta se deve ao fato de que, nos últimos tempos, o CIMI, que é um órgão vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), vinha pautando sua ação indigenista num ambiente político-cultural dominado pelas Ongs neoliberais que têm interesses diretos econômicos sobre a questão indígena. A principal dessas Ongs, junto com sua adjunta de menor expressão, vem fazendo pressão direta sobre vários povos indígenas para indicá-la como "broker" ou negociador de seus direitos sobre os valores ecológicos de suas florestas para fins de negociação com empresas de operação de sequestro de carbono, sem falar que, em nome de povos indígenas, até daqueles que nem contato têm, por viverem em situação de isolamento étnico, têm obtido dinheiros substanciais de organizações doadoras dos Estados Unidos e Europa.

O CIMI faz parte de um consórcio de Ongs, junto com representantes da Associação Brasileira de Antropologia e até do Ministério Público Federal, chamada Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), que propugna uma visão política anti-rondoniana, buscando enfraquecer a Funai e criar um órgão indigenista aos moldes de uma "agência", ou melhor, de uma entidade anódina, mas complacente, desentranhada da vida indígena, a ser dirigida por um espírito deshistorizado supostamente movida por uma eficácia técnica e por uma ética de não comprometimento com o destino dos povos indígenas.

Entretanto, apesar desse relacionamento de aliança com Ongs neoliberais, o CIMI tem se portado como um radical defensor da causa indígena, especialmente nos lugares onde tem uma presença direta. No plano nacional, o CIMI tentou reverter ou amenizar de vários modos, através de seus advogados, os impactos do voto do STF que determina mudanças radicais na demarcação de terras indígenas, porém sem resultado positivo.

Quando o movimento indígena revolucionário estourou, a partir das ações iniciais de índios do Nordeste e dos Xavante do Mato Grosso, no dia 5 de janeiro p.p., o CIMI inicialmente ficou indeciso. Algumas lideranças nordestinas que têm relacionamento próximo com o CIMI ficaram contrárias ao movimento das lideranças indígenas nordestinas que se reuniram em Recife para avaliar o decreto de reestruturação e tomar providências sobre suas consequências. Algumas se posicionaram frontalmente contra a decisão daquela assembleia de juntar forças e ir protestar em Brasília, mas não conseguiram barrar o movimento indígena.

Porém, quando o CIMI sentiu que o movimento indígena era movido por um destemor nascido de sua consciência crítica e por uma visão de mundo libertária, fez sua reflexão mais profunda e viu que estaria na contra-mão da história se ficasse indeciso, ou inerme, ou contrário.

Num documento em que analisa o decreto de reestruturação, o CIMI reconhece o ato como autoritário e ilegal, pelo fato dos índios não terem sido consultados, conforme seria o caso prescrito pela Convenção 169, bem como politicamente uma traição não somente aos representantes indígenas do CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista, ao qual o CIMI vinha fazendo parte como membro, e que certamente terá dúvidas na continuidade de sua participação) que foram forçados a dar uma aval sem conhecer o teor da proposta, como a todos os povos indígenas do Brasil que foram tomados de surpresa com tal decreto.

Por sua vez, o CIMI também reconhece, ao contrário dos apologistas desse decreto, quais sejam, as Ongs neoliberais e a atual direção da Funai, que a extinção de 22 administrações regionais da Funai, -- dos Pareci em Tangará da Serra, aos índios do Oiapoque, de Atalaia do Norte aos índios de Pernambuco e Paraíba, de Altamira aos Xavante -- constitui um ato destemperado da mínima racionalidade administrativa e da mínima sensibilidade política.

É evidente que esse decreto não se sustenta. É evidente que os seus defensores não se sustentam na história atual do indigenismo brasileiro.

O CIMI toma a atitude correta não por oportunismo político, não só por verem os índios do Nordeste, do Centro-Oeste e do Sul do Brasil unidos contra esse decreto e essa gestão da Funai. Creio que o CIMI está ao lado do movimento indígena revolucionário, ao contrário das Ongs neoliberais, porque tem um senso de história. O CIMI pertence à Igreja Católica e sabe que a vida transcorre pelos movimentos de inspiração criativa em processo dialético com a tradição histórica. Uma não funciona sem a outra para que a sociedade humana progrida, avance e se libere.

Acredito que a atitude do CIMI e o apoio que o movimento indígena revolucionário possa angariar dos bispos brasileiros serão históricos e ajudarão muito aos povos indígenas a enfrentar as dificuldades que terão daqui para frente. Dificuldades duras, mas de uma natureza diversa, porque fruto de um movimento consciente de ascensão política, sem a tutela das Ongs, do próprio CIMI, nem da Funai.



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