Barack Obama toma posse como presidente dos EUA
Antropologia

Barack Obama toma posse como presidente dos EUA


Barack Obama, honra e glória

Mércio P. Gomes
Antropólogo, professor da UFF


Hoje os Estados Unidos da América festejam a posse de Barack Obama, seu mais novo presidente, o 44º em sua história, o primeiro presidente de sangue africano, aclamado como um negro americano.

Negro porque, apesar de ter sido criado em ambiente social de brancos, no Hawaii, ao lado da mãe branca e de seus avós maternos, já que seu pai queniano desistiu do casamento em poucos anos, Obama se assumiu integralmente negro pela circunstância inevitável de ter fisionomia negra, numa sociedade em que ser negro é ter uma ascendência negra, seja em que geração for, assumindo em sua vivência social todas as consequências dessa decisão intransponível. Casado com uma negra americana, consolidou sua identidade de negro e soube mesclar sua visão de mundo dentro do mundo de apartheid cultural predominante nos Estados Unidos.

Além de mulato genetica e culturalmente, Obama conviveu por alguns anos com um padrasto indonésio, ampliando sua visão multicultural, sem gerar confusão emocional.

Nenhuma conjunção de possibilidades genéticas e culturais poderia ser mais extraordinária para um presidente-eleito dos Estados Unidos. Na devida proporção de preconceitos, compara-se com a eleição do presidente Lula, sendo o Brasil um país extremamente desigualitário socialmente e sendo Lula um filho de migrantes pobres do Nordeste, que se fez o líder inconteste de um partido criado nos estertores da ditadura militar.

Obama se fez presidente em pouquíssimos anos de atuação política, no ritmo frenético da informação cibernética e do marketing do espetáculo, embora tenha-se que frisar que ele, pessoalmente, o "produto" à venda, mostrou-se sempre além dos potenciais que os tempos pós-modernos lhe podiam ofertar. Com efeito, por vivência cultural, por inteligência abrangente, pela retórica cativante e pela simpatia envolvente, Obama é um ser extraordinário!

Os americanos estão extasiados com seu novo presidente. Apostam muito em sua capacidade de liderança, de apontar novos rumos, de dizer a verdade, de convencer simpatizantes e opositores, de mostrar uma cara humana para o resto do mundo, nesses últimos anos tão decepcionado e raivoso com as políticas externas do mais poderoso país da Terra.

Muitos comentaristas já fizeram suas análises e aguçam suas mentes para entender o fenômeno Obama. A maioria está preocupada com a questão econômica. Acredita que este será o teste da capacidade de Obama. Se ele falhar em reorientar a economia americana, e em consequência a economia mundial, em salvar o capitalismo, dizem, será visto como um fracasso e uma decepção completa. Se melhorar essa economia, virará um herói à semelhança de Roosevelt, o herói político americano do século XX.

De minha parte, acho que o teste de Obama não será a economia. Esta se consertará por si mesma, com um mínimo de inteligência aplicada. Com efeito, os diagnósticos dos economistas das mais variadas correntes se aproximam e se afunilam. Sua aplicabilidade vai se viabilizando com as negociações políticas e com o entendimento direto com o público americano, inclusive no chamamento ao sacrifício em nome da renovação do país. No médio prazo, quer dizer, em dois a quatro anos, a implantação concreta das medidas estratégicas acordadas darão seus frutos.

Portanto, o desafio de Obama, aquilo que lhe trará a glória almejada por todos os grandes políticos, não é a salvação econômica do seu país e do mundo.

Sua glória será a redenção da cultura americana, sua renovação, seu nascer de novo, para se purgar do seu pecado maior: a herança da escravidão e o apartheid real que existe naquela sociedade. Esse apartheid, que não é mais legal nem aceitável moralmente, é real pelo cotidiano em que negros e brancos vivem, cada um no seu canto, temerosos um do outro, neurastênicos em sua sociabilidade e convivência, incapazes de sentir amor um para o outro. Intolerantes no mais fundo de suas almas.

O desafio de se redimir dessa pecado de origem é que captou a imaginação do povo americano, que tocou no fundo de suas almas. A maioria dos 70% de brancos americanos que votou em Obama o fez pelo sentimento de que esse mulato, filho de africano e americana, é que vai lavar a alma maculada do povo americano, que vai reviver o sonho de uma nação excepcionalmente concebida pelo sentimento de liberdade, dedicada a fazer os homens iguais entre si e tendo como objetivo proporcionar a felicidade geral de todos, como rezam o discurso de Gettysburg, de Abraham Lincoln, e a própria Declaração da Independência.

Obama é fruto do amor de um negro africano e uma branca americana. Ele encarna esse sentimento maior de amor mestiço e ele se coloca no mundo, para todos verem, como o fruto de um amor que se quer encarnar em todos. O sentimento de desvanecimento dos americanos por Obama é, assim, um sentimento religioso que nasce de seu mito de criação da nação, que se identifica pelo amor e temor a Deus, pela pátria, liberdade e igualdade, e pela busca da felicidade.

Ser homem e ser divino, ser homem divino, não é para políticos, nem mesmo para estadistas. É para profetas e santos. Só o futuro ou a morte glorifica os homens. Obama está preso a esse predicamento. Será exaltado ou exortado, amado ou odiado, enaltecido ou desprezado pelo que fizer por aquilo que os americanos chamam de "America", a terra da liberdade, o sonho da felicidade, o paraíso na Terra. Qualquer coisa a menos reduzirá sua glória e o transformará em mais um presidente de uma grande nação sem rumo.



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