Antropologia
APIB levanta a cabeça e encara o Governo
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil -- APIB -- entidade que agrega as principais organizações indígenas pelo Brasil afora, lançou uma impressionante CARTA ABERTA à presidenta Dilma Rousseff, na qual exige respeito aos povos indígenas e que sejam ouvidos sobre assuntos que os afetem, e especificamente, na mudança da Funai, que está para ser realizada nos próximos dias.
A CARTA ABERTA mostra de cara que o governo tinha convocado lideranças indígenas para discutir a Convenção 169, da OIT, que trata especificamente do modo como os índios devem ser informados e consultados sobre temas e projetos que os atinjam, quando, no mesmo momento, na surdina, estava tramando a mudança da FUNAI, junto com as ongs acólitas, sem os consultar!
A APIB passou os últimos anos contemporizando com o governo e com a atual direção da FUNAI em muitas das mazelas que foram criadas e que só pioraram a situação indígena no Brasil. Durante os seis meses de protestos que aconteceram em Brasília contra o Decreto 7056/09, que extinguiu postos indígenas e administrações regionais, apenas um dos seus membros, a ARPINSUL, havia lutado contra. Os demais haviam mansamente aceito o desastre administrativo resultante desse decreto. Contudo, o tempo mostrou que o apodrecimento da direção da FUNAI havia chegado a tal ponto que chegara a hora de dizer um basta. Nem na ditadura militar se errou tanto e se manipulou tanto os direitos indígenas como agora, e por interesses escusos, travestidos em indigenistas.
A CARTA ABERTA é o documento mais contundente que a APIB já publicou. É um documento de peso histórico, pois põe o dedo na ferida, a falta de transparência e participação das decisões que afetam os povos indígenas, e corajoso, pois chama os bois pelos seus nomes. O governo Dilma, mais do que vacilante na questão indígena, não pode perder a oportunidade para se redimir desses anos de chumbo, de descaso e de enganações aos índios, e promover um re-união com o movimento indígena e com suas lideranças de raiz, a partir da nova consciência indígena que se levanta. Os índios, muitos deles, estão conscientes de seu papel histórico e estão prontos para o exercício de autonomia.
Na minha modesta opinião, os índios devem ser chamados pela presidenta Dilma, com lealdade socialista e amor republicano, para decidir o destino da FUNAI, sua nova direção e seus encaminhamentos futuros. Decidir e participar, seja como presidente, diretores, coordenadores, chefes, etc., junto com o que ainda sobrou do indigenismo rondoniano brasileiro.
O Brasil não pode ignorar aqueles povos que são a raiz de sua existência. O Brasil precisa de reconciliação com seus povos indígenas. É hora de ouvi-los e chamá-los ao trabalho conjunto.
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CARTA ABERTA À PRESIDENTA DILMA E À SOCIEDADE BRASILEIR SOBRE INDICAÇÃO PARA A PRESIDÊNCIA DA FUNAI
Brasília, 09 de março de 2012.
À Excelentíssima
Senhora Dilma Russeff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto
Praça dos Três Poderes ? 3º Andar
70150-900 ? Brasília/DF
Prezada Senhora:
Nós, Povos e Organizações Indígenas que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ? APIB, abaixo assinados, participantes do Seminário ?Convenção 169 da OIT: experiências e perspectivas?, realizado na Escola de Administração Fazendária ? ESAF, em Brasília-DF, nos dias 08 e 09 do presente, vimos por meio desta manifestar a nossa insatisfação com o processo de condução da política indigenista do País, especificamente a indicação de nomes para a presidência da FUNAI, órgão governamental que atua diretamente na convivência diária com os povos indígenas.
Nossa Indignação se dá, pelo fato de que, ao mesmo tempo em que estávamos reunidos para discutir a participação dos Povos Indígenas e suas Organizações no processo de regulamentação dos Mecanismos da Consulta Prévia, Livre e Informada, prevista na Convenção 169 d OIT, tivemos informações não oficiais de que já há uma pessoa indicada para ocupar o cargo de presidente da Funai, e que seria nomeada em breve. Trata-se da Senhora Marta Azevedo, ex esposa do Secretário Nacional de Articulação Social da Presidência da República, Sr. Paulo Maldos e consultora do Instituto Sócio-ambiental ? ISA. Essa indicação explicita uma flagrante violação ao artigo 6º da Convenção 169 da OIT, que diz:
?Artigo 6 - 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente?.
A mudança na Presidência da FUNAI, é um ato administrativo que afeta diretamente os Povos Indígenas do Brasil. No momento em que se discute a implementação da convenção 169 no Brasil, cremos que é uma excelente oportunidade de exercitar o que temos feito através dos discursos. Neste sentido, os Povos Indígenas vêm convidar o Governo Brasileiro para um diálogo visando encontrar pontos convergentes na indicação, em condições de transparência, confiança, equidade e boa fé. Ao fazer essa indicação para o cargo de relevante importância para os Povos Indígenas, no momento em que inicia um processo de diálogo como os povos indígenas, o governo perde a oportunidade de demonstrar na prática, que seu discurso é coerente com sua atuação.
Cabe-nos relembrar parte do legado que Márcio Meira, amigo pessoal da indicada à presidência da FUNAI, deixa para os Povos Indígenas, como resultado dos 05 (cinco) anos que esteve à frente do órgão indigenista. O indigenismo no Brasil raramente registrou tamanho desmando e cooptação de lideranças indígenas, intrusão de pessoas ligadas à Ongs nos cargos de confiança e coordenações no órgão indigenista, sem citar a total desestruturação do órgão através do Decreto 7.056/2009, que deixou a FUNAI totalmente desmontada, sem nenhuma condição de planejar e executar a política indigenista no País junto as comunidades indígenas.
Esta prática de Márcio Meira e do governo nos demonstra a constante violação do direito à Consulta Prévia e dos direitos dos nossos Povos à sua autonomia, na medida em que exerce a tutela velada sobre todas as ações do Estado e das políticas ofertadas às comunidades indígenas do nosso País. Como exemplo claro temos as ações do PAC em nossos territórios, onde não se fez nenhuma consulta, salvo algumas reuniões informativas, aos Povos Indígenas afetados pelo mega empreendimento, que coloca em risco suas vidas e o meio ambiente e a vida das gerações futuras.
A atual gestão de Márcio Meira a frente da FUNAI é marcada pela terceirização da FUNAI, entregue a entidades não governamentais que se denominam socioambientais, que dominaram a instituição e fizeram deste espaço público a sua fonte de renda através de generosas consultorias resultantes dos empreendimentos implantados em nossos territórios.
Não queremos e não vamos permitir este continuísmo de uma política indigenista, que subestima a nossa sabedoria e a capacidade de ler o quadro que se desenha para o futuro de nossos Povos e territórios, assim como não concordamos com a prática obscura do governo federal que não avalia as consequências de um ato como estes, que afetará ainda mais negativamente as práticas do órgão indigenista junto aos nossos mais de 240 Povos indígenas, mais de 600 territórios e aproximadamente 50 Povos não contatados, terceirizados para ONGs através de duvidosos convênios e termos de cooperação, que repassam milhões de reais do dinheiro público para supostamente proteger estes povos.
O governo federal deve e precisa reconhecer e ter nos povos e organizações indígenas aliados para a plena e efetiva promoção e garantia dos direitos indígenas do nosso País. Seremos implacáveis na constante luta pelo nosso direito a autonomia e a livre-determinação conforme assegurado na Constituição Federal e nos instrumentos internacionais de direitos humanos.
Atenciosamente.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
C.c.
Ministro da Justiça - José Eduardo Cardoso
Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República ? Gilberto Carvalho
Ministério Publico Federal, 6ª Câmara ? Dra. Deborah Duprat
Presidência da FUNAI ? Márcio Meira
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