Agência FAPESP - Independentemente de qualquer tipo de juízo de valor, é inegável, no caso da sociedade brasileira, que a lógica capitalista está instalada no cotidiano das relações urbanas. Para o Grupo de Culturas Empresariais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderado pelo antropólogo Guilhermo Ruben, trata-se de um fenômeno que merece ser olhado com maior intensidade e com todos os conceitos e teorias antropológicas, inclusive algumas das consideradas clássicas.
"É importante que esses fenômenos sejam estudados. É uma forma de se fazer uma espécie da antropologia do capitalismo brasileiro", disse Ruben à Agência FAPESP. O grupo do qual está à frente, hoje com 15 pessoas, está voltado para o assunto desde a década de 1980, tendo produzido, desde então, dezenas de publicações e teses científicas.
Segundo o pesquisador, argentino naturalizado brasileiro, as pesquisas antropológicas, na primeira fase de trabalhos do grupo, estiveram mais focadas nas culturas empresariais propriamente ditas. Foram feitos estudos sobre as relações antropológicas existentes em companhias como Odebrecht, Banco do Brasil, Banespa Santander e algumas outras que nem podem ter os nomes citados, uma vez que os pesquisadores identificaram situações delicadas como assédio sexual.
"Nosso grupo foi pioneiro nesses estudos do ponto de vista antropológico. Quando começamos, outros estudavam essas relações, mas do ponto de vista da administração. Mas não queremos ser os únicos a pesquisar esses temas. É muito importante que outros grupos também façam isso", disse Ruben.
Segundo Pedro Jaime, pesquisador do Grupo de Culturas Empresariais da Unicamp e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, depois de toda a experiência adquirida nos últimos 20 anos, é possível entender bem como as relações antropológicas estão estabelecidas nas empresas brasileiras.
"Não podemos classificar uma cultura empresarial brasileira única. Mas muitas matrizes culturais do brasileiro estão bastante presentes nas empresas. Existem fluxos importantes dessas dimensões culturais, que podem até determinar o fracasso e o sucesso dos negócios de determinado grupo", disse Jaime.
Um dos problemas culturais que podem ocorrer, segundo o pesquisador, é o caso da fusão de uma corporação internacional com outra genuinamente verde e amarela. "Muitas vezes, a questão da cultura ? entendida pelo senso comum e não do ponto de vista científico ? vira um instrumento de poder, o que é maléfico. Demissões são feitas com a justificativa de que o grupo anterior não se adaptou à nova ?filosofia? trazida de fora", disse.
Ao estudar mais a fundo as relações sociais das corporações, os antropólogos passam até a ter condições de interferir de forma mais criteriosa sobre determinada realidade empresarial, segundo Ruben. "Muitas vezes, tem-se a idéia de que é como apertar um parafuso. Basta pegar uma chave de fenda e o problema estará resolvido. Mas não é esse o caso. A interferência tem que ser feita de outra forma, sempre com muito diálogo", explica o professor da Unicamp.
Luxo dos excluídos
Ruben e seu grupo estão convencidos de que os antropólogos precisam, cada vez mais, olhar para os núcleos centrais da sociedade, principalmente as urbanas. Se as grandes corporações fazem parte dessa visão moderna, o mesmo ocorre, na ótica do grupo, com o comportamento das pessoas em relação ao luxo.
"O conceito de luxo hoje está muito confuso. Esse universo não está mais presente apenas no ambiente ?Daslu?. Isso é apenas um tipo. O consumo do luxo existe hoje até mesmo na favela", explica Valéria Brandini, pesquisadora do Grupo de Culturas Empresariais. Envolvida com vários projetos antropológicos do mundo da moda, ela hoje faz pós-doutorado na Unicamp relacionado ao tema do luxo.
A proposta, segundo Valéria, é fazer uma imersão em algumas grifes consumidas na cidade de São Paulo e também nos grupos de compradores, para depois tentar entender como o conceito do luxo está relacionado com as diversas vertentes sociais. "Essas relações, no caso das sociedades urbanas, são elementos centrais. A antropologia oferece muitas formas de estudo desses objetos", disse a pesquisadora.
"Há algum tempo, fui contratada por uma grife de roupas de surfe dos Estados Unidos, ligada ao universo hard core. Como eles queriam lançar uma coleção inspirada nos vodus [tradição religiosa africana associada de forma errônea a bonecas de vodu ou a práticas de magia negra], tive que fazer uma grande pesquisa sobre o assunto. A justificativa deles é que o público que compra a marca é muito exigente, então as roupas precisavam transmitir uma idéia legítima daquele universo", conta Valéria.
Ao trazer assuntos da periferia para o centro da antropologia, o grupo de pesquisa da Unicamp pretende entender como se processa uma grande gama de práticas sociais. "Ao lado do luxo, vários outros exemplos podem ser citados sobre essa presença da lógica capitalista e empresarial", explica Ruben.
"Estudamos também, por exemplo, cooperativas do Nordeste e bancos populares. Até mesmo comunidades indígenas e quilombolas querem se inserir no mundo capitalista. Para isso, elas têm que estabelecer as mesmas relações existentes nas empresas", afirma Ruben.