A violação dos direitos humanos em Belo Monte e Jirau
Antropologia

A violação dos direitos humanos em Belo Monte e Jirau


Na semana passada, teve início no canteiro de obras de Belo Monte um protesto motivado pela morte do operador de moto serra, Francisco Lopes, no sítio Pimentel. A manifestação teve como objetivo chamar a atenção do governo e da sociedade para uma série de irregularidades existentes na região da hidroelétrica, principalmente, no campo da segurança do trabalho: salários baixos, péssimas condições de infra-estrutura e demissão de lideranças trabalhistas. Apesar do governo Dilma afirmar que a construção de grandes hidroelétricas resulta em empregos para a população, o que se percebe na prática é uma situação de sub-emprego, onde os trabalhadores se submetem a péssimas condições de trabalho por necessidade, chegando a colocar a própria vida em risco.

Ao mesmo tempo, em Rondônia, trabalhadores da hidroelétrica Jirau colocaram fogo em um alojamento para protestar contra as péssimas condições de trabalho no local. Apesar dessas obras serem financiadas, em grande parte, com verbas públicas, a administração está na mão das empreiteiras e o governo não faz qualquer esforço em fiscalizar a situação na região.

Por outro lado, o governo Dilma continua intransigente em relação às demandas políticas colocadas pelos índios e ribeirinhos que vivem na região de Belo Monte, ao mesmo tempo que promove, nas diferentes instâncias do governo federal, um verdeiro 'cerco' às ONGs ambientalistas. Num exemplo claro de autoritarismo e anti-democracia, o atual governo prefere proteger o esquema de super-faturamento financiado por Sarney e seus comparsas ao invés de permitir que a sociedade brasileira discuta o atual modelo de geração de energia elétrica. Através de ações perversas e autoritárias, pessoas são removidas de seus cargos na FUNAI e no IBAMA para facilitar a aprovação e liberação de obras mal planejadas e até mesmo ilegais.

Mas não são apenas os trabalhadores que sofrem com o descaso governamental e a ganância dos investidores. Uma série de reportagens apresentadas no Jornal Nacional apontam que as populações que vivem em cidades localizadas nas imediações da hidroelétrica de Jirau continuam 'abandonadas', expressão utilizada por diversas pessoas que vivem na região. As promessas de melhoria da infra-estrutura não foram colocadas em prática e a situação piorou bastante com o aumento radical da população local. Não existem médicos nos hospitais, policiais nas delegacias e professores nas escolas, sem falar que a rede de serviços é praticamente inexistente. Com isso, pessoas que, no passado, defenderam a instalação da obra na região devido às promessas de melhoria feitas pelas empreiteiras e pelo governo, percebem agora que fizeram a opção equivocada, que foram enganadas e abandonadas.

Apesar disso, no entanto, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República pretende retirar do relatório da CDDPH o capítulo sobre a violação de direitos humanos em Belo Monte. Ao mesmo tempo, a mesma secretaria demonstra morosidade no que se refere ao combate aos crimes contra lideranças indígenas no Mato Grosso, sem falar no total descaso frente ao assassinato de lideranças ribeirinhas na Amazônia, fato recorrente na região.

No vídeo institucional de promoção da Rio+20 (uma obra de ficção científica), o modelo hidroelétrico de geração de energia é apresentado como o 'mais limpo do mundo'. Percebe-se aqui, mais uma vez, um equivoco grave. Afinal, o impacto ambiental e social de obras como Belo Monte é um fato técnico e político que deve ser contabilizado. Além do mais, trata-se de uma mentira, pois existem, sim, formas de geração de energia mais 'limpas' do que o modelo hidroelétrico, apesar de não fornecerem a mesma oportunidade de super-faturamento em grande escala que as mega-obras fornecem às empreiteiras.    

A ironia de tudo isso é que esse mesmo governo se apresenta ao mundo como o país do 'desenvolvimento sustentável', buscando capitalizar a Rio+20 como um instrumento político de auto-promoção. Um governo que promove a destruição de florestas e rios, que financia o desvio de verbas públicas e o esquema de super-faturamento coordenado por Sarney, não pode se apresenta agora como o grande 'defensor' do desenvolvimento sustentável. Só se o adjetivo 'sustentável' significar aqui a 'sustentação' de um modelo de desenvolvimento predatório colocado em prática no Brasil desde 1930 e que teve nos governos militares o seu apogeu.

Pelo jeito, a presidenta Dilma tem memória curta. Esqueceu que a política 'desenvolvimentista' sempre foi a grande bandeira de luta de seus antigos algozes e inimigos políticos. Afinal, mega-políticas de desenvolvimento, principalmente, quando sustentadas por práticas autoritárias e anti-democráticas, foram gestadas nos porões da ditadura militar. Essa mesma política teve continuidade nos governos mais recentes. O projeto de Belo Monte, por exemplo, foi retomado durante o governo FHC e, na época, foi duramente criticado por Lula e outros membros do PT. Afinal, não podemos esquecer que, nas eleições de 2002, Lula incluiu em seu programa de governo a afirmativa de ruptura com o modelo de geração de energia hidroelétrica existente na época (o mesmo de hoje), criticando duramente a construção e o superfaturamento de grandes obras e denunciando os seus impactos sociais e ambientais. Mas o mundo dá voltas e essas mesmas pessoas defendem hoje o que combateram no passado.    

É realmente lamentável que um governo que se diz de centro-esquerda e social-democrata (a moda atual da política brasileira) não tenha a capacidade de inventar um novo caminho, uma nova estrada, de alimentar novos sonhos e visualizar uma nova sociedade. Ao contrário disso, os correligionários de Dilma continuam promovendo a ignorância política, o mandonismo autoritário e a ausência de debate participativo. Com isso, segue-se aqui no Brasil o mesmo caminho traçado pelas grandes potências, que destruíram os índios e a natureza em nome da construção de uma sociedade 'insustentável' em médio e longo prazo.




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