Antropologia
Xavante de Maraiwatsede fecham a BR-158
Os Xavante da Terra Indígena Maraiwatsede, localizada a 150 km a oeste de São Felix do Araguaia, estão em pé de guerra. Fecharam a BR-158 que passa por dentro dessa terra, na altura do Posto da Mata, impedindo o fluxo do trânsito que liga o Mato Grosso ao Pará, pelo lado entre os rios Xingu e Araguaia.
Sabe por que? Porque vândalos que teimam em continuar morando naquela terra indígena queimaram o ônibus que era deles, por doação da Funai em 2006, e que servia para buscar suas crianças e levá-las a escolas localizadas na sede do município de Bom Jesus. O ônibus estava estacionado num posto de gasolina que fica dentro da terra indígena, deixado pelos índios para conserto.
Queimaram o ônibus porque têm um ódio mortal dos Xavante por eles terem voltado à sua terra de origem, a qual está demarcada e homologada, mas de onde eles haviam sido expulsos desde 1968-69.
A história dos Xavante dessa terra indígena é heróica. Eles foram os últimos a serem contatados, por volta de 1957. Viviam nessa área de terra fértil, onde o cerrado começa a dar vez à mata. Terra cobiçada, que foi "comprada" por uma empresa paulista, a Ometto, em 1961, onde foi estabelecido uma fazenda que ficou com o nome hoje lendário de "Fazenda Suiá-Missu", porque por aqui nasce o rio que desemboca no rio Xingu. Tinham sua grande aldeia perto de onde hoje estão os restos da fazenda.
Em 1965, a Fazenda Suiá-Missu estava a todo vapor. Eles queriam tirar os Xavante de lá. Foi fácil. Convenceram os militares que comandavam o SPI e os padres salesianos da Missão Salesiana localizada perto de Barra do Garças a retirar os Xavante. E assim o fizeram. Aos poucos foram convencendo os índios a se juntarem a outros Xavante, inclusive com a ajuda de Xavantes da Missão, que mal sabiam o que estavam fazendo.
Em 1969 aviões bandeirantes foram enviados para a sede da fazenda, e de lá os Xavante de Maraiwatsede (que significa "mato alto ou mato grosso") foram levados a um passeio que para muitos constituiu o fim de suas vidas. Com efeito, ao serem jogados na Missão Salesiana, eles contraíram sarampo e gripes, e em poucas semanas mais de 30 homens, mulheres e crianças haviam morrido.
Nos anos seguintes, os Xavante de Maraiwatsede foram espalhados pelas diversas terras indígenas que estavam sendo demarcadas. Os jovens foram crescendo e casando, os velhos morrendo.
Por volta da década de 1980 alguns começaram a esboçar seus desejos de voltar à terra natal. Enquanto isso, a Fazenda Suia-Missu foi vendida para a empresa petrolífera italiana AGIP.
Em 1992, durante a Conferência de Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, chamada Rio 92, a AGIP, pressionada por antropólogos brasileiros e italianos, e vendo que essa fazenda não lhe dava lucros devidos, resolveu doar de volta aos Xavante a terra que lhes pertencia. Ao menos aquela que constituía os limites da Fazenda. 165.000 hectares numa forma muito irregular.
Os Xavante exultaram de alegria. Porém, mais que depressa, o gerente da dita fazenda, junto com os políticos das cidades vizinhas, como Boa Vista, São Félix, Bom Jesus, Ribeirão Cascalheira, se mancomunaram e abriram as porteiras da fazenda para aventureiros de todos os tipos. Foi uma corrida para ver quem tomava mais terras e assentava uma casa, derrubava a mata para uma roça e para um pasto, enfim, tomavam de conta do patrimônio indígena. Até um funcionário da Funai de São Félix do Araguaia pegou o seu quinhão irregular (em 2004, quando começamos a fazer a retomada dos Xavante, ele logo abriu mão de sua pretensão).
A Funai não marcou bobeira. Fez de tudo e conseguiu demarcar a terra indígena. O presidente Fernando Henrique a homologou, mesmo sabendo que estava toda tomada por invasores.
Os Xavante não fizeram por menos. Tentaram e tentaram voltar. Todo ano uma comitiva deles ia para a região para procurar um local para assentar suas famílias. Entretanto, sem forças para segurar uma pressão, desistiam e voltavam para onde estavam, em outras terras xavante. Em 2003, quando entrei na Funai, recebi uma delegação dos Xavante liderados por Damião e prometi-lhes que os apoiaria se eles quisessem fazer pressão para voltar. E assim foi.
Depois de ano e meio em que quase 300 Xavante fizeram acampamento na beira da estrada esperando uma oportunidade para entrar em suas terras, conseguiram. Dia glorioso, em julho de 2005.
Os Xavante de Maraiwatsede sabem o que querem. Hoje sua aldeia é a maior de todas. Vivem lá quase 900 índios, quase todos descendentes dos originais daquela terra indígena.
Recentemente visitei essa grande aldeia e fui recebido com festas pelos Xavante. Seus planos são de retomar todas suas terras incluídas na Fazenda Suiá-Missu. Seu território original vai além dessas terras. Mas os Xavante sabem esperar. Lutam com sabedoria e estratégia. Não se precipitam quando sabem que não vão conseguir seu objetivo. Mas, quando a hora é chegada, sabem o que fazer e não tem medo no coração.
A aldeia está bem servida de água potável e eletricidade. Há um telefone público. Os índios têm caminhão, tinham esse ônibus e fazem as roças mais bem feitas da região. Tem professores xavante ensinando as crianças pequenas a ler e escrever nas duas línguas, e mandam as mais velhas para o ensino médio na cidade de Bom Jesus.
Agora, vândalos queimaram seu ônibus. Não vai ficar por isso mesmo. É preciso que a Funai em Brasília lhes dê toda cobertura e apoio para punir os culpados e para obter novo ônibus.
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