JORNAL NACIONAL divulga cenas de protesto de índios Kaingang em Londrina
Antropologia

JORNAL NACIONAL divulga cenas de protesto de índios Kaingang em Londrina


Essa noite, o Jornal Nacional divulgou cenas e fez observações sobre o protesto que os índios Kaingang e Guarani-Ñandeva fizeram no centro de Londrina, no Paraná.

O protesto foi feito por uma parte do grupo de 72 índios que esteve em Brasília essa semana acampando em frente ao Ministério da Justiça. Os índios Kaingang e Guarani vieram com a certeza de que estava se criando um novo movimento indígena, de cunho revolucionário, com visão de que poderiam mudar a Funai diante do quadro produzido pelo decreto de reestruturação.

Na terça-feira p.p., dois ou três dos seus líderes falaram duramente ao alto-falante conclamando o presidente Lula a revogar o decreto, precisamente no momento em que Lula estava no Ministério da Justiça. O presidente os ouviu, perguntou a auxiliares quem eram, de que se tratava o protesto, e foi-lhe dito que eram índios protestando contra o decreto. Lula estava aborrecido, mas não falou mais nada.

Os indios Kaingang não querem saber de conversa mole, de lero-lero. A explicação propagada pela cúpula da Funai de que nenhum escritório será fechado no Paraná é de uma desfaçatez impressionante. Com essa explicação a cúpula da Funai consegue ludibriar a imprensa que, ao ver os índios em protesto, os considera meio loucos por protestarem à toa, por nada. Como? Como que eles não sabem que nada será extinto no Paraná?? Assim explica a cúpula da Funai, e a Rede Globo engole no seco.

Ora, só por um milagre da imbecilidade administrativa é que alguém haveria de considerar que as extinções da AERs de Guarapuava, Londrina e Curitiba, com toda a infra-estrutura que elas têm, com todo o pessoal qualificado e experiente de quem elas dispõem -- que essas extinções não existem, e que sua prometida substituição pelas tais "coordenações técnicas locais" seria a mesma coisa.

Não são nem serão a mesma coisa. Uma tal coordenação técnica local não é do mesmo teor de uma AER. Uma AER é uma AER, tem história, tem pessoal qualificado, tem tradição e relacionamento com os índios. Produz conhecimento, ação indigenista. Constroi e destroi coisas belas, como na canção de Caetano. Já produziu conflitos, sem dúvida. Funcionário às vezes é pressionado, índio às vezes é enganado. Quem há de negar isso? Entretanto, ao longo dos anos, índios e funcionários se conheceram, se aquilataram, sabem até onde seu relacionamento pode ser positivo.

Numa AER há qualificação e experiência jurídicas, tem trabalho indigenista e tem compromisso com a causa indígena. Compromisso criado ao longo de muitos anos de convivência.

O que teria uma coordenação técnica local? Supostamente terá um coordenador técnico e alguns outros técnicos por ele coordenado, fazendo coisas que a Funai em Brasília lhes dirá o que fazer. Será gente nova ou serão os "antigos"? Afinal, se tudo for a mesma coisa, se uma AER for equivalente ao uma coordenação técnica local, para que mudar então?

Evidentemente a cúpula da Funai acha que uma coordenação técnica local será algo especial, muito melhor do que uma administração. Com ela será dada assistência técnica aos índios, diz a cúpula da Funai, alegando que falta técnica e profissionalismo na Funai da atualidade.

É este o sentido da mudança. A atual cúpula da Funai professa uma visão do mundo diferente do que professam os índios e do que vem professando o indigenismo rondoniano. E os índios Kaingang e Guarani sacaram isso com toda verdade e não querem saber de coonestar esse tipo de mudança.

Eis o sentido do protesto dos Kaingang e Guarani em Londrina. E eis por que eles escolheram simbolicamente um automóvel da Funai para queimar e destruir. O carro desponta como símbolo dessa suposta técnica que querem lhes impor goela abaixo. Daí sua destruição. Melhor voltar à carroça de boi!

É evidente que a imprensa não sabe o que passa nos corações dos índios, nem tampouco dos funcionários da Funai. Acha que é uma rebelião de fisiológicos defendendo seus empregos. Que a reestruturação é um gesto de extrema boa vontade e capacidade administrativa do governo Lula.

A imprensa continua a achar que a renovação do quadro da Funai, através de concurso público, será a redenção do órgão, já tão combalido e fraco. E acha que esses concursos fazem parte do decreto de reestruturação, quando não tem nada a ver uma coisa com a outra. O concurso poderá sair sem reestruturação alguma.

A renovação dos quadros da Funai é importantíssimo, haja visto que em poucos anos muitos estarão aposentados. Porém o problema maior de um concurso feito sem critério, na Funai, é que o concurso será igual a qualquer outro, por exemplo, para outras repartições públicas. De fato, esses concursos são feitos para concurseiros, com licença da palavra. São jovens que se especializam em fazer concurso, que vão passar nesse concurso pela maior facilidade que têm de estudar em cursinhos.

Quanto aos índios, sem nenhuma possibilidade de ganhar crédito por seu conhecimento real da vida indígena, terão imensas dificuldades em competir com os jovens concurseiros.

Um verdadeiro concurso público para a Funai tem que contar necessariamente com uma quantidade igual de jovens indígenas. Não é possível que, nessa altura da vida política e cultural brasileira, a Funai seja dirigida exclusivamente por jovens técnicos da classe média brasileira. A presença ostensiva de jovens indígenas é fundamental na verdadeira reestruturação da Funai.

Tudo isso os índios sabem. Os funcionários da Funai também sabem. E ninguém sabe o que fazer. Por enquanto. A barragem está construída em proteção da atual cúpula da Funai em torno desse ofensivo decreto de reestruturação. Mas essa barragem será levada de roldão, em breve.

O gesto desesperado dos Kaingang e Guarani é puro desespero, reconheço. Mas é simbólico e tem efeito político e cultural. Não há como ignorá-lo, nem minimizá-lo.

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