Índios Kayapó rompem com ISA e prometem manifestação contra Belo Monte
Antropologia

Índios Kayapó rompem com ISA e prometem manifestação contra Belo Monte



Em carta dirigida ao ISA os índios Kayapó do Mato Grosso, AER Colíder, desapontados com o comprimisso daquela Ong neoliberal com a Usina Belo Monte, onde já fizeram escritório na cidade de Altamira, rompem com um possível acordo que estava-lhes sendo sugerido pelo ISA no sentido de favorecer direitos sobre suas terras para negociação de "Crédito de Carbono".

Ao mesmo tempo, cientes do que está acontecendo em Altamira, especialmente em relação à extinção da AER Altamira, quando os índios que vivem naquela região ficarão à mercê de 96.000 peões que para lá virão, os Kayapó prometem ajudar manifestando-se contra o decreto da reestruturação da Funai.


PÓS-ESCRITO
Sábado, 13:00

A carta dos Kayapó foi respondida pelo ISA através de um dos seus coordenadores, aí abaixo.

Nela o ISA tenta reverter a opinião dos Kayapó sobre seu comportamento, atribuindo a "fofocas" a visão que os Kayapó têm do ISA e consequentemente seu rompimento.

Em relação à usina Belo Monte, o ISA declara que sempre foi contrário e que ajudou aos Kayapó em diversos momentos e manifestações, e que criou um escritório em Altamira para apoiar o movimento contrário. A coincidência desse escritório com a extinção da Administração REgional de Altamira não passou despercebida dos Kayapó. O fato dos Kayapó nunca terem tido aproximação com o ISA até agora é conhecido por todos os indigenistas.

A carta do ISA foi considerada pelas lideranças Kayapó como "punutire", isto é, "muito ruim".

A intenção maior do ISA era levar os Kayapó para uma reunião em Cuiabá no final de março onde o ISA e outras Ongs, como o Conservation International (na carta do ISA mencionada como CI) e a Environmental Defense Fund, pretendem comprometer os índios que compõem o Parque Indígena do Xingu e as terras Kayapó e Panará -- cerca de 14 milhões de hectares numa área só -- ou o tamanho do estado do Paraná -- em acordos de "Crédito de Carbono". Há pelo menos um ano e meio o ISA vem tentando persuadir diversos povos xinguanos a entrar nessa jogada. De acordo com a carta do ISA eles seriam só "facilitadores" desses acordos, não mencionando quanto receberiam por seus serviços. Essas Ongs querem servir de "facilitadores" ou, em inglês, "brokers" (mais forte e mais como intermediário ou agente) para colocar os índios e as terras indígenas no mercado de troca de carbono.

É preciso esclarecer que tudo isso vem sendo feito com extrema discrição, se não segredo. O governo brasileiro nem é informado sobre essas intenções, embora a atual direção da Funai esteja comprometida com isso até formalmente por convênio. O meio institucional para estabelecer acordo com terra indígena é uma espécie de programa de troca ou mercado de troca, criado por ongs ambientalistas, conhecido pela sigla REDD, programa este que não foi aceito nem acatado pelo governo federal, muito menos discutido pelo Congresso Nacional, pelo qual uma determinada área protegida, em especial indígena (embora terra indígena seja considerada terra da União), receberia dinheiro ou fundos de empresas que emitem dióxido de carbono na atmosfera e recompensariam essas emissões pagando quem não emite, ou quem ajuda a absorver essas novas emissões. Quer dizer, a poluição continua mundo afora, mas os poluidores pagariam por isso. As Ongs acham isso o filé mignon do novo ambientalismo mundial e querem que os índios se comprometam com essa farsa!!

 A carta do ISA recende a ressentimento e a arrogância. Os dois últimos parágrafos exalam soberba e desrespeito ao povo Kayapó.

Eis a carta na íntegra.

Esclarecimento final: lideranças Kayapó autorizaram nosso Blog a publicar ambas as cartas.

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São Paulo, 05 de fevereiro de 2010,
  
Ao povo Mebengokre,


Prezados,

Acusamos recebimento de correspondência em nome dos Mebengokre, assinada por algumas de suas lideranças, informando cancelamento da participação dos Mebengokre na reunião sobre créditos de carbono prevista para final de março, justificando esta decisão por terem ouvido falar que o ISA está defendendo a Usina de Belo Monte.

Só podemos lamentar que um decisão tão importante como esta esteja sendo tomada em cima de fofoca e não está considerando a história de luta real do ISA junto com os povos indígenas e com outras populações que se sentem ameaçadas por esta obra. Sempre apoiamos as manifestações de vocês em relação a Belo Monte, em 1989 em Altamira, em 2008 novamente em Altamira, em 2009 no Piaraçu e Brasília e mais recentemente na articulação de Raoni com Sting, que resultou na ampla divulgação na mídia  da  indignação de vocês com o fato da FUNAI ter aprovado a obra sem fazer uma consulta aos índios, desrespeitando a legislação.

Temos feito muitas outras coisas junto com o Movimento Xingu Vivo para Sempre, que reúne várias organizações e movimentos da região do Xingu. Buscamos de todos os meios interferir no processo de licenciamento e nas consultas públicas de maneira assegurar a manifestação e respostas as preocupação das populações afetadas pela obra, subsidiamos o Ministério Público em diversas ações judiciais que questionaram o licenciamento da obra e estamos nos preparando para entrar com uma ação em fóruns internacionais contra o governo brasileiro por desrespeitar tratado internacional (convenção 169) que obriga a realização de consultas prévias e informadas à populações indígenas quando afetadas por obras públicas.

Nós estamos lá em Altamira com um pequeno escritório e uma pequena equipe acompanhando e participando das discussões e manifestações, no dia a dia da luta. Lembrem-se que os  principais impactos dessa obra irão ocorrer na região no entorno da cidade de Altamira. Nesse exato momento os povos indígenas da região de Altamira estão se manifestando contra o licenciamento de Belo Monte. Só podemos acreditar que a fofoca que vocês escutaram de que o ISA está apoiando Belo Monte, além de muito maldosa,  quer confundir, criar confusão e enfraquecer a luta. Não existe  qualquer documento ou manifestação de pessoas do  ISA apoiando a construção de Belo Monte. Portanto, essa acusação é uma grande mentira e quem acha que não, que prove.

A reunião sobre crédito de carbono prevista para final de março, tem como objetivo  discutir a viabilidade, a oportunidade para elaboração de um projeto conjunto de gestão territorial entre os parentes do PIX, Panará e os Mebengokre,  visando o mercado de carbono. O ISA tem atuado junto com a CI como facilitador deste processo de discussão. A decisão desta iniciativa  e se vai existir ou não um projeto é de voces e não do ISA ou da CI.  Portanto, achamos que vocês não deveriam cruzar dois assuntos diferentes ( carbono e Belo Monte), eles podem andar juntos. Ou seja, nada impede os Mebengokre de continuarem o processo de discussão sobre créditos de carbono, até mesmo sem o ISA, se assim desejarem, e ao mesmo tempo continuarem a luta em relação a Belo Monte.

Esperamos que as lideranças  Mebengokre reflitam melhor e não se deixem levar por fofocas sem fundamento. Estamos à disposição para qualquer outro esclarecimento.

Atenciosamente,   André Villas-Bôas ? Coordenador do programa Xingu do ISA 





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