Antropologia
Índios Guarani obtêm grande vitória no Paraná
Em meio às pressões do governador e da bancada do Mato Grosso do Sul contra a FUNAI e o processo de reconhecimento de novas terras indígenas naquele estado, inclusive com reunião marcada para hoje com o ministro Tarso Genro, os índios Guarani-Ñandeva vêm de obter uma grande vitória no estado do Paraná.
A 4ª Turma do TRF, em Porto Alegre, negou provimento, por unanimidade, à Apelação Cívil nº 2005.70.04.001764-3/PR impetrada pela empresa Itaipu Binacional contra os Guarani que vivem nas aldeias Tekoha Marangatu, Tekoha Porá e Tekoha Karambey, no município de Guaíra, no oeste paranaense.
Nas palavras do jornal eletrônico
Umuarama Notícias, do Paranã;
"Com isso, o Tribunal confirmou a sentença proferida na primeira instância da Justiça Federal de Umuarama, PR, em dezembro de 2007, no âmbito da Ação Judicial nº 2005.70.04.001764-3/PR em que a Itaipu Binacional pedia a reintegração de posse das áreas de terra onde estão localizadas as aldeias em questão. Na referida sentença, o Juiz Federal foi enfático na defesa do direito dos Guarani sobre suas terras tradicionais, assim se pronunciando;
?Ante o exposto, julgo improcedente o pedido possessório formulado pela ITAIPU BINACIONAL e declaro que as terras ocupadas pelos índios Avá-Guarani nos lotes abordados (Tekoha Porá; Karumbey e Tekoha Marangatu) constituem terras indígenas tradicionalmente ocupadas, não podendo ser objeto de domínio ou posse, senão pelos próprios índios, conforme disposição constitucional, independente de prévia demarcação?.
"Em sua decisão, proferida no último dia 15 de outubro e publicada neste dia 27, os desembargadores do Tribunal Regional citam parte da sentença da primeira instância em que se lê:
?Atualmente as ocupações indígenas em Guaíra concentram-se em três lotes: 1) Tekoha Porá (sul); 2) Karumbey (norte), e 3) Tekoha Marangatu, na Faixa de Proteção. É sobre a área desses três lotes que a requerente postula a proteção possessória. Todavia, segundo o estudo antropológico em questão, os dois primeiros lotes são provenientes de uma mesma antiga aldeia indígena, invadida pelo crescimento da cidade, que restringiu a extensão do território anteriormente ocupado pelos índios, envolvendo-o na zona urbana. Portanto, a área em questão representa terra tradicionalmente ocupada pelos índios, já que originária de uma só terra indígena, atualmente transformada em dois lotes de cerca de 2 has., mas que certamente alcançava uma dimensão muito maior, e que acabou sendo restrita ante o crescimento da área urbana de Guaíra?.
"Citam ainda parte do parecer do representante do MPF Regional segundo o qual ?o argumento de que o alcance da norma inscrita no art. 231 da CF deve restringir-se às terras atualmente ocupadas por silvícolas não prospera. O art. 231 da Constituição deve ser interpretado segundo a lição de José Afonso da Silva: 'o tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam, etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições' [SILVA, José Afonso da, Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, in Santilli, Juliana (coord.), Os Direitos Indígenas e a Constituição, Porto Alegre: NDI e Fabris Editor, 1993, p. 47].'
"Assim, o conceito de posse indígena remete à ocupação de forma tradicional. Se os índios foram expulsos ou afastados da área no passado, isso não pode ser obstáculo ao reconhecimento do direito que possuem. Assim, é suficiente a existência de um liame entre os atuais integrantes da comunidade e a área disputada, de forma que o território esteja vivo na lembrança do povo?.
O importante a verificar nessa sentença é o reconhecimento sobre o que se entende por "tradicionalidade", onde foi aceita o entendimento do jurista José Afonso Silva, que interpreta não como uma questão de temporalidade, mas de "modo de praticar seus usos e costumes". Embora essa interpretação necessite de maiores explicações, o TRF-4 acatou-a por unanimidade. Se esse reconhecimento for aceito pelo STF em futuras decisões, inclusive as da Raposa Serra do Sol e Caramuru-Paragauçu, as demarcações de diversas terras indígenas no Mato Grosso do Sul serão possíveis de serem realizadas.
Boa notícia para os índios Guarani. Enfim, outra notícia a ser comentada é que os Guarani-Kaiowá do sul do Mato Grosso do Sul estarão reunidos num Aty Guaçu (grande assembléia) na Aldeia Campestre, município de Antônio João, onde foi assassinado o líder Guarani Marçal Tupã-y, há 25 anos.
Marçal foi o grande líder Guarani que defendeu seu povo contra o preconceito e suas necessidades para obter terras. Ele era amigo e correspondente de Darcy Ribeiro e saudou o Papa João Paulo II em sua vinda a Manaus. A Terra Indígena Ñanderu Marangatu, demarcada e homologada quando eu era presidente da FUNAI, e pendurada em juízo no STF desde agosto de 2005, é resultado do trabalho e da determinação de Marçal.
Espero que esse Aty Guaçu tenha sucesso!
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