Em meio à crise na Funai, Pres. Lula participa do Dia do Índio na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Antropologia

Em meio à crise na Funai, Pres. Lula participa do Dia do Índio na Terra Indígena Raposa Serra do Sol


O Presidente Lula viaja hoje de manhã para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde participará de uma grande comemoração relembrando a decisão final da homologação dessa terra indígena pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo os organizadores, estarão presentes cerca de 18.000 índios na aldeia de Maturuca, centro da resistência indígena que promoveu o movimento que redundou na homologação daquela terra indígena.

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi demarcada no governo Fernando Henrique Cardoso em 1998, porém só foi homologada no Governo Lula, em 15 de abril de 2005. No ano passado, depois que fazendeiros e políticos contestaram essa homologação, o Supremo Tribunal Federal decidiu favoravelmente pelo decreto presidencial, acatando os termos da homologação.

Esta é a vitória que o Presidente Lula irá comemorar com os índios de Roraima.

Porém, no acórdão daquela decisão, do fatídico dia de São José, o STF exarou uma série de 19 ressalvas sobre aspectos cruciais da legitimização da posse e usufruto daquela terra indígena, bem como sobre o processo de demarcação de outras que estivessem em processo ou que viessem a ser consideradas para demarcação. Essas ressalvas produziram um freio brusco e cataclísmico no modo como as terras indígenas vinham sendo demarcadas, o que tem inviabilizado a demarcação de muitas terras indígenas que estão em demanda. Assim, para muitos povos indígenas, o STF deu com uma mão e tirou com a outra a possibilidade de reconhecimento de novas terra indígenas. Prejudicados ficaram muitos povos indígenas que ainda não têm a garantia efetiva da demarcação de suas terras indígenas.

Por outro lado, o Presidente Lula continua indiferente aos protestos realizados durante os meses de janeiro e fevereiro em que índios por todo o Brasil se levantaram contra o decreto que ele assinou em 28 de dezembro reestruturando a Fundação Nacional do Índio. Por esse decreto 24 administrações regionais e nove núcleos de apoio ao índio, além dos tradicionais postos indígenas, foram extintos.

Administrações tradicionais como Recife, São Luís, João Pessoa, Curitiba, Goiânia e Porto Velho, quase todos que vêm do tempo do SPI, foram consideradas desnecessárias, apesar de representar os índios nas capitais dos seus estados, onde estão localizadas as principais instituições estaduais e federais que afetam as vidas e os destinos dos índios.

Igualmente extintas foram outras de comprovada eficácia indigenista como Guarapuava, Londrina, Araguaína, Gurupi, São Felix do Araguaia, Tangará da Serra, Amambai, Campinápolis, Primavera do Leste, Parintins e Redenção, além de duas de extrema importância estratégica, quais sejam, Oiapoque, que está na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, e Altamira, onde está se projetando a gigantesca Usina de Belo Monte, que atrairá um contingente populacional de quase 100.000 pessoas nos próximos dois anos.

A arbitrariedade da extinção dessas e de outras administrações regionais se evidencia de muitos modos, inclusive até pelo sucesso indigenista autônomo de algumas delas, e até pela substituição de algumas por outras aparentemente deslocadas ou sem tradição indigenista, como Fortaleza, Juína, Ponta Porã e Ribeirão Cascalheira.

A extinção dos postos indígenas também provocou uma crise avassaladora no meio indigenista e indígena. Durante um século a instituição do posto indígena serviu de anteparo à vontade desenfreada de invasão de terras indígenas por parte de especuladores e vizinhos imigrantes, garantindo a inviolabilidade de muitas terras indígenas pelo Brasil afora. Hoje essa instituição e seu nome foram substituídos por uma instituição anódina e burocrata com o nome de "coordenação técnica local", abrindo-se à especulação de que seus funcionários podem morar em cidades e ter atuação indiferenciada.

Já mais recentemente, o Presidente Lula, via Dilma Rousseff, determinou que a Funai providenciasse o licenciamento de Belo Monte no que concerne o componente indígena. A anuência foi dada em 28 de novembro de 2009 e com isso o IBAMA pode prosseguir na sua finalização do licenciamento para a licitação da obra. Que acontecerá amanhã, salvo inesperados de última hora. Ora, acontece que a anuência da Funai foi dada pela atual direção do órgão passando por cima das dúvidas explicitadas pelos técnicos do órgão quanto ao pleno conhecimento de causa por parte dos indígenas consultados. Isto é, a consulta foi feita sem que as explicações tivessem alcançado seu propósito de esclarecimento. Aparentemente, o modo como as consultas e oitivas foram realizadas não permitiu que houvesse nem o conhecimento pleno, nem tampouco o consentimento livre por parte dos índios.

Em outras palavras, passou-se o trator do autoritarismo oficial por cima da vontade dos índios, algo que está dando repercussão negativa até os dias de hoje, e que certamente continuará por toda a construção dessa obra, caso venha a ser realizado, como o poder estatal indica, tornando-a mais um caso negativo para o indigenismo brasileiro. Se o processo de esclarecimento e busca de consentimento livre e consciencioso tivesse sido realizado com o espírito de completa boa fé, de clareza, de esclarecimento íntegro, de discussão aberta sobre as dúvidas naturais, de enfrentamento dialógico com quem estivesse duvidando das intenções do governo, com a presença de todos os índios em momentos adequados à sua melhor compreensão, talvez Belo Monte viesse a ser algo aceitável dentro do indigenismo brasileiro. Agora ele será sempre uma nódoa.

Por essas e outras tantas razões já analisadas em diversas postagens desse Blog é que muitos índios estão chamando de "herança maldita" o legado institucional da demarcação de terras indígenas no segundo mandato do Governo Lula. Muitos indigenistas e antropólogos consideram que o frenesi irracional e messiânico criado por diversas Ongs indigenistas para pressionar o STF e a sociedade brasileira a olhar os índios de um modo favorável terminou resultando no seu contrário. Isto é, no acórdão das 19 ressalvas e na desconfiança e falta de simpatia pelos índios que é visível atualmente no Congresso Nacional, na imprensa e na opinião pública.

De modo que, nesse Dia do Índio de 2010, os povos indígenas têm mais razões para se preocupar com seu futuro do que festejar o seu passado. Talvez o Presidente Lula e sua coorte indigenista estejam vivenciando uma espécie de Baile da Ilha Fiscal, às vésperas de mudanças de paradigma na tradição indigenista brasileira.



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