Dia da Abolição: o debate sobre cotas
Antropologia

Dia da Abolição: o debate sobre cotas


Hoje é Dia da Abolição da escravidão. O movimento negro e o Ministério de Promoção da Igualdade Racial decidiram voltar a comemorar essa data, que estava quase esquecida em virtude da consagração do Dia de Zumbi, que é em 20 de novembro, como o dia da luta dos negros pela liberdade e igualdade racial.

Há muitas coisas importantes a serem discutidas sobre a questão racial no Brasil. Desde o tema da discriminação racial como legado da escravidão até o jeito brasileiro de miscigenação e democracia racial. No jornal Folha de São Paulo de hoje, o filósofo Roberto Mangabeira Unger produziu um excelente texto sobre esse tema. Diz que democracia racial é um projeto brasileiro, não uma realidade social, mas que devemos seguir nosso jeito de relacionamento e não imitar os americanos.

Abaixo o leitor encontrará duas posições opostas sobre a questão de cotas raciais. Esse tema está sendo debatido na Câmara Federal em virtude do projeto de lei apresentado pela presidência da República.

As visões antitéticas de dois líderes do movimento negro poderão dar novos argumentos, de forma resumida, para nos ajudar a dirimir algumas dúvidas que ainda tenhamos sobre o valor de aplicar cotas raciais na universidade ou no trabalho. Os argumentos são bons de ambos os lados. Os entrevistados são pessoas dedicadas à causa da igualdade racial e falam com convicção inabalável.

Cada um que entenda o tema da melhor maneira possível.

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Anticotas

"Isso só servirá para pôr um pobre contra o outro"

Militante do movimento sindical desde os anos 80, o negro José Carlos Miranda, 43, é um dos signatários do manifesto "113 cidadãos anti-racistas contra as leis raciais", que se opõe à política de cotas:

"Eu moro em um bairro pobre e considero um absurdo admitir que uma vaga de emprego disputada por dois miseráveis seja dada a alguém por um critério de cor da pele. Isso só servirá para colocar um pobre contra outro e para deixar patrões e governos de mãos livres para seguir em sua política de total irresponsabilidade social".

"Discordo totalmente dessa tentativa de racialização da sociedade brasileira. A sociedade não é dividida entre negros e brancos e sim entre exploradores e explorados."

Segundo Miranda, "o que impede, por exemplo, os negros de entrarem nas boas universidades não é a raça. É a renda. São os negros com renda mais elevada que entram na universidade, seja pelas cotas, ou não. Essa é a prova de que a exclusão se dá pela pobreza, independentemente de cor".

"A cota racial, na medida em que cria privilégios para os negros, abre uma fissura racialista que não existe atualmente", diz ele. "Nunca houve, no Brasil, essa idéia segregacionista de bairro negro, como foi o Harlem, em Nova York. Para quê copiar essas coisas?"

Para o sindicalista, o aumento da presença de negros nas universidades deveria ser feito pela melhoria da escola pública.

"Enquanto as escolas públicas de ensino fundamental e médio forem a sucata educacional que são hoje, não são só os negros que serão impedidos de chegar às universidades de qualidade. Também os alunos brancos e pobres ficarão sempre de fora."

"Não será com a criação de privilégios para estudantes com cor de pele negra que se resolverá o problema da exclusão social", diz ele.

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Pró-cotas

"Falta muito para inserir negro na sociedade"

Militante do movimento negro desde os anos 70, o negro Carlos Alberto Medeiros, 60, é um dos signatários do documento que será entregue hoje no STF. Presidente do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro, ele é um entusiasta da política de cotas raciais.

"Já conquistamos, do ponto de vista das leis, direitos iguais para os negros. Está consagrado na Constituição de 1988", diz. "Mas ainda falta muito para a inserção real do negro na sociedade. O negro que freqüenta uma boa escola, por exemplo, ainda é barrado pela discriminação do mercado de trabalho", afirma.

Segundo Medeiros, os adversários das cotas, signatários do manifesto "113 cidadãos anti-racistas contra as leis raciais", servem de fachada para interesses egoístas e racistas. "Nós não podemos mais nos restringir à denúncia de discriminação contra os negros. É preciso apontar formas reais de superação."

Medeiros lembra que, quando o Movimento Negro Unificado foi fundado, em 1978, havia o caso de quatro atletas negros de uma equipe mirim que haviam sido proibidos de entrar no Clube de Regatas Tietê por causa da cor da pele.

"Se a diretoria aceita um sócio de cor e ele entra na piscina, na mesma hora, cem sócios deixam o clube", chegou a declarar um conselheiro do clube. "Hoje, ofensas como essa são raras porque os negros adquiriram consciência de seus direitos e o preconceito se sofisticou", diz.

"Se demos grandes saltos, porém é impossível deixar de reconhecer que, entre um trabalhador negro e outro branco, com igual qualificação, a vaga de emprego tem grandes chances de acabar com o branco. Combater a discriminação exige enfrentar a questão racial. Não fazê-lo só serve para os verdadeiros racistas manterem tudo como está", diz Medeiros.



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