Claude Riviére - Introdução a Antropologia - 1 Conceitos e Métodos da Antropologia
Antropologia

Claude Riviére - Introdução a Antropologia - 1 Conceitos e Métodos da Antropologia


A antropologia tem como postulado a unidade do gênero humano, o que não significa que se ocupe do homem simplesmente. As sociedades ditas arcaicas ou primitivas, numa linguagem evolucionista, foram os primeiros objetos sociais analisados por especialistas, que as consideravam mais autênticas e mais transparentes do que as sociedades ditas civilizadas, fossem elas rurais ou industriais. A ciência do homem em geral aplicou-se, de seguida, à interpretação de todas as diversidades culturais e sociais, pondo em causa as idéias de progresso continuo da humanidade, de supremacia de uma civilização sobre outra, depois, mais recentemente, propondo o reordenamento das relações interculturais, principalmente na época das descolonizações.



Conceitos fundamentais

O outro

  Uma vez que a antropologia estuda as diferenças entre sociedades e culturas, destina a si própria a tarefa de pensar o outro.

  O outro não esta etiquetado como tal, num quadro necessariamente longínquo. O olhar que se lança sobre o outro implica o estabelecimento de relações e tem como conseqüência um melhor conhecimento de si mesmo e da sua própria cultura, por comparação.




O etnocentrismo


  Falar dos outros não é falar nas costas dos outros nem contra eles. Cada um, pela língua, pelo aspecto, pela maneira de viver, identifica-se com uma comunidade cujos valores assimilou.

  O etnocentrismo, de que o etnólogo procura livrar-se, é a atitude que consiste em julgar as formas morais, religiosas e sociais de outras comunidades de acordo com as nossas próprias normas, e considerar as suas diferenças como uma anomalia.

  O exotismo, como culto pelo pitoresco, visando reter tudo que é curioso e bizarro nos outros, pode transformar-se em etnocentrismo, quando é acompanhado por uma atitude desvalorizadora a respeito dos outros e em racismo quando produza rejeição e hostilidade.


A etnia


  Não é impossível que a própria idéia de etnologia possa conduzir sub-repticiamente à depreciação do seu objeto, na medida em que será aplicada a grupos de homens unidos num sistema que não é o nosso.

  A etnia define-se geralmente como uma população, que adota um etnônimo e que reclama uma mesma origem, possuindo uma tradição cultural comum, especificada por uma consciência de pertença a um grupo, cuja unidade se apóia e geral numa língua, numa historia e num território idênticos.


Etnologia e antropologia


  O fato de a mesma disciplina se chamar etnografia, etnologia, antropologia social ou cultural explica-se por ligeiras diferenças de conteúdo, de objeto, de método e de orientações teóricas, muitas vê\zes próprias das tradições nacionais, embora se possam também ver nisso momentos sucessivos do trabalho antropológico, A etnografia é a etapa de recolha dos dados; a etnologia a fase das primeiras sínteses, a antropologia a fase das generalizações teóricas, após a comparação.

Objeto e atitude da antropologia


  A antropologia tem como objeto unidades sociais coerentes e de fraca amplitude que ou constituem uma amostra representativa da sociedade global que se deseja apreender ou então têm uma situação original pela sua subcultura especifica.


Relações entre disciplinas afins

Antropologia e sociologia


  A antropologia constituiu-se em estreita relação com a sua irmã quase gêmea, a sociologia. No século XIX, a necessidade de reorganização social, após as revoluções política e industrial, origina o nascimento da sociologia. Pouco depois, o interesse romântico pelo exótico, o desejo kantiano de criar uma antropologia de orientação filosófica e o projeto colonial, convergem para a fundação da etnologia.

  O objeto do sociólogo aparece menos distante e mais visível do que o do etnólogo, e a sociologia escolhe como método preferido a amostragem sobre u vasto conjunto, enquanto a etnologia prefere elaborar inventários descritivos completos das culturas de pequena dimensão.


Antropologia e historia


  Não há qualquer duvida de que a historia, como discurso de formalização da temporalidade escorado na historia como sucessão dos acontecimentos, não possui um passado anterior ao mundo grego. Perante ela, a antropologia tem o aspecto de uma recém-chegada, esclarecida sobre o exotismo pelo Iluminismo e que, desde há século e meio, analisa principalmente as instituições dos “selvagens”.

  Antropólogos e historiadores trabalham de braço dado num campo de atividade comum, embora com diferenças nas heranças, nas aprendizagens, nas carreiras e na textura da profissão.


Rumo a uma etnolinguística


  O termo etnolinguística marca bem a ligação entre duas disciplinas afinas. A língua, no século XIX, não deixa de ser apreendida simultaneamente como instituição social e tesouro de uma civilização.


Outras afinidades e especializações


As relações interdisciplinares são tão necessárias a antropologia como as especializações:

-as especializações externas, nos confins de outras disciplinas: etnobotânica, etnozoologia, etnomusicologia;

-as especificações internas: antropologia política, econômica, religiosa ou do parentesco;

-as especializações regionais: africanismo, oceanismo, americanismo, europeísmo...;

-as especializações de escola: em função de teorias e de temáticas privilegiadas em determinada época, em determinado pais.


A arte e o método

 A aventura etnológica no terreno


  As autobiografias do seu viver aventuroso, escritas como contraponto aos trabalhos de pesquisa, mostram que o gosto pela amplidão, um fascínio de juventude, uma narrativa de missionário, ou a existência de um tio madeireiro no Gabão, pôde servir de pretexto para a partida de espíritos amadurecidos, não necessariamente incomodados com sua própria sociedade, mas ávidos, por vezes, de experiências desconcertantes e de revelação de si em circunstancias inéditas.

  O exílio cultural predispõe para a tolerância, para a rejeição de preceitos ligados ao seu meio, à sua classe, à sua formação e liberta do etnocentrismo graças a um afastamento do sistema, que ajuda a comparar e a exercer a sua faculdade critica.

A observação participante


  Embora a observação não seja uma técnica de investigação verdadeiramente codificável por ser artesanal, ela é, no entanto, a mais exigente. A dificuldade resulta da posição do observador num espaço determinado, com uma perspectiva limitada, tendo um determinado estatuto no sistema e sendo ele próprio nó de interações.


O inquérito por informadores 


  A observação não seria suficiente sem conversações junto de informadores classificados.


A interpretação dos resultados


  Entre a utilização dos métodos e a exposição monográfica, situa-se um momento capital, o da interpretação dos resultados, que supõe a construção de hipóteses e a administração da prova. Não será demasiado insistir na necessidade de uma bagagem teórica e metodológica, se quiser adaptar o próprio ponto de vista a outro diferente do ingênuo que acredita na transparência do social e no saber imediato. Mesmo com uma longa formação, o doutorado tropeça ao nível da explicação.

  Censura-se ao etnólogo ou de interpretar demasiado, de sobreinterpretar, de impor um sentido, ou então, pelo contrario, de não interpretar o suficiente, de escrever simplesmente fatos verificados empiricamente, sem referencias às suas causa e condições.

A monografia


  A maior parte das vezes, uma investigação antropologia termina pela redação de uma monografia, em que se expõem os seus resultados. Uma monografia total pretende dizer tudo sobre uma etnia ou sobre um grupo humano, ordenando os fatos desde o ecológico até ao espiritual. Elaboram-se também monografias temáticas, portanto, parciais, que adquirem valor comparativo quando são coletivas e quando analisam o mesmo fenômeno, sob ângulos diferentes, com diferentes investigadores, ainda que, por vezes, se corra o risco de não conseguir uma perspectiva comum.

  Uma monografia deve idealmente ser descritiva e explicativa, única e comparável, atingindo o singular e o geral.

RIVIERE, Claude. Introdução à antropologia. Lisboa: Ediçoes 70, 2007.



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