A ANTROPOLOGIA: uma chave para a compreensão do homem.
Antropologia

A ANTROPOLOGIA: uma chave para a compreensão do homem.


 Uma das maneiras mais proveitosas de se dar a conhecer uma área do conhecimento é traçar-lhe a história, mostrando como foi variando o seu colorido através dos tempos, como deitou ramificações novas que alteraram seu tema de base ampliando-o. Para tanto é requerida uma erudição dificilmente encontrada entre os especialistas, pois erudição e especialização constituem-se em opostos: a erudição abrindo- se na ânsia de dominar a maior quantidade possível de saber, a especialização se fechando no pequeno espaço de um conhecimento minucioso.

              

  O livro do antropólogo francês François Laplantine, professor da Universidade de Lyon II, autor de várias obras importantes e que hoje efetua pesquisas no Brasil, reúne as duas perspectivas: vai balizando o conhecimento antropológico através da história e mostrando as diversas perspectivas atuais. Em primeiro lugar, efetua a análise de seu desenvolvimento, que permite uma compreensão melhor de suas características especificas; em seguida, apresenta as tendências contemporâneas e, finalmente, um panorama dos problemas colocados pela pratica e por suas possibilidades de aplicação.



  Trata-se de uma introdução a Antropologia que parece fabricada de encomenda para estudantes brasileiros. A formação nacional em Ciências Sociais (e a Antropologia não foge a regra...) segue a via da especialização, muito mais do que a da formação geral.



  No Brasil o presente tem muita força; nele se vive intensamente, e ele que se busca compreender profundamente, na convicção de que nele estão as raízes do futuro.



  A necessidade real, no preparo dos estudiosos brasileiros em Ciências Sociais, e o reforço do conhecimento do passado de sua própria disciplina e da variedade de ramos que foi originando até a atualidade.



  Construído dentro da tradição francesa do pensamento analítico e da clareza de expressão, esta introdução ao conhecimento da Antropologia atinge, na verdade, um público mais amplo do que simplesmente o dos estudantes e especialistas de Ciências Sociais.



Introdução



O Campo e a Abordagem Antropológicos



  O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as sociedades existiram homens que observavam homens. Houve até alguns que eram teóricos e forjaram como diz Lévi-Strauss, modelos elaborados "em casa". A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto à humanidade. No final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico, que toma o homem como objeto de conhecimento, apenas nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os métodos até então utilizados na área física ou da biologia.



  Isso constitui um evento considerável na história do pensamento do homem sobre o homem. Um evento do qual talvez ainda hoje não estejamos medindo todas as consequências.



  Para que esse projeto alcance suas primeiras realizações, para que o novo saber comece a adquirir um início de legitimidade entre outras disciplinas científicas, será preciso esperar a segunda metade do século XIX, durante o qual a antropologia se atribui objetos empíricos autônomos: as sociedades então ditas "primitivas", ou seja, exteriores às áreas de civilização européias ou norte-americanas. As sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos são sociedades longínquas às quais são atribuídas as seguintes características: sociedades de dimensões restritas; que tiveram poucos contatos com os grupos vizinhos; cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação à nossa; e nas quais há uma menor especialização das atividades e funções sociais.



  A antropologia acaba, portanto, de atribuir-se um objeto que lhe é próprio: o estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental. Serão necessárias ainda algumas décadas para elaborar ferramentas de investigação que permitam a coleta direta no campo das observações e informações. Muito rapidamente, uma questão se coloca: será que a "morte do primitivo" há de causar a morte daqueles que haviam se dado como tarefa o seu estudo? A essa pergunta vários tipos de resposta puderam e podem ainda ser dados. Detenhamo-nos em três deles.



  1) O antropólogo aceita, por assim dizer, sua morte, e volta para o âmbito das outras ciências humanas. Ele resolve a questão da autonomia problemática de sua disciplina reencontrando, especialmente a sociologia, e notadamente o que é chamado de "sociologia comparada".



  2) Ele sai em busca de uma outra área de investigação: o camponês, este selvagem de dentro, objeto ideal de seu estudo, particularmente bem adequado, já que foi deixado de lado pelos outros ramos das ciências do homem.



  3) aqui temos um terceiro caminho, que inclusive não exclui o anterior (pelo menos enquanto campo de estudo), ele afirma a especificidade de sua prática, não mais através de um objeto empírico constituído (o selvagem, o camponês), mas através de uma abordagem epistemológica constituinte.



O estudo do homem inteiro



  Só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Certa-mente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, conduz necessariamente a uma especialização do saber.



  A antropologia biológica (designada antigamente sob o nome de antropologia física) consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades.



  A antropologia pré-histórica é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da atividade humana). Seu projeto, que se liga à arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas.



  4) Antropologia linguística. A linguagem é, com toda evidência, parte do patrimônio cultural de uma sociedade. È através dela que os indivíduos que compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos.



  A antropologia psicológica. Aos três primeiros pólos de pesquisa que foram mencionados, e que são habitualmente os únicos considerados como constitutivos (com antropologia social e a cultural, das quais falaremos a seguir) do campo global da antropologia, fazemos questão pessoalmente de acrescentar um quinto pólo: o da antropologia psicológica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropólogo é em primeira instância confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente através dos comportamentos - conscientes e inconscientes - dos seres humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem a qual não é antropologia. È a razão pela qual a dimensão psicológica (e também psicopatológica) é absolutamente indissociável do campo do qual procuramos aqui dar conta. Ela é parte integrante dele.



  A antropologia social e cultural (ou etnologia) nos deterá por muito mais tempo. Um dos aspectos cuja abrangência é considerável, já que diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas.



O estudo do homem em sua totalidade



  A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive), ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. Mas a antropologia não poderia ser definida por um objeto empírico qualquer. Se seu campo de observação consistisse no estudo das sociedades preservadas do contato com o Ocidente, ela se encontraria hoje, como já comentamos, sem objeto.



  Ocorre, porém, que se a especificidade da contribuição dos antropólogos em relação aos outros pesquisadores em ciências humanas não pode ser confundida com a natureza das primeiras sociedades estudadas, ela é indissociavelmente ligada ao modo de conhecimento que foi elaborado a partir do estudo dessas sociedades: a observação direta, por impregnação lenta e contínua de grupos humanos minúsculos com os quais mantemos uma relação pessoal.



  Além disso, apenas a distância em relação a nossa sociedade (mas uma distância que faz com que nos tornemos extremamente próximos daquilo que é longínquo) nos permite fazer esta descoberta: aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é Infinitamente problemático.



  Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia, faz tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organizações sociais extremamente diversos.



  O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Isso supõe ao mesmo tempo a ruptura com a ruptura da monotonia do duplo, do igual, do idêntico, e com a exclusão num irredutível "alhures".



  A abordagem antropológica provoca, assim, uma verdadeira revolução epistemológica, que começa por uma revolução do olhar.



 O pensamento antropológico, por sua vez, considera que, assim como uma civilização adulta deve aceitar que seus membros se tornem adultos, ela deve igualmente aceitar a diversidade das culturas, também adultas.







Dificuldades



  Se os antropólogos estão hoje convencidos de que uma das características maiores de sua prática reside no confronto pessoal com a alteridade, isto é, convencidos do fato de que os fenômenos sociais que estudamos são fenômenos que observamos em seres humanos, com os quais estivemos vi-vendo; se eles são também unânimes em pensar que há uni-dade da família humana, a família dos antropólogos é, por sua vez, muito dividida, quando se trata de dar dessa unidade múltipla, desses materiais e dessa experiência.



1)A primeira dificuldade se manifesta, como sempre, ao nível das palavras. Mas ela é, também aqui, particularmente reveladora da juventude de nossa disciplina, que não sendo, como a física, uma ciência constituída, continua não tendo ainda optado definitivamente pela sua própria designação.



2) A segunda dificuldade diz respeito ao grau de cientificidade que convém atribuir à antropologia. O homem está em condições de estudar cientificamente o homem, isto é, um objeto que é de mesma natureza que o sujeito?



3) Uma terceira dificuldade provém da relação ambígua que a antropologia mantém desde sua gênese com a História.



4) Uma quarta dificuldade provém do fato de que nossa prática oscila sem parar, e isso desde seu nascimento, entre a pesquisa que se pode qualificar de fundamental e aquilo que é designado sob o termo de "antropologia aplicada".



  O fato da diversidade das ideologias sucessivamente defendidas (a conversão religiosa, a "revolução", a ajuda ao "Terceiro Mundo", as estratégias daquilo que é hoje chamado "desenvolvimento" ou ainda "mudança social") não altera nada quanto ao âmago do problema, que é o seguinte: o antropólogo deve contribuir, enquanto antropólogo, para B transformação das sociedades que ele estuda.



  A questão que está hoje colocada para qualquer antropólogo é a seguinte: há uma possibilidade em minha sociedade (qualquer que seja) permitindo lhe o acesso a um estágio de sociedade industrial (ou pós-industrial) sem conflito dramático, sem risco de despersonalização?



  Somos, por outro lado, diretamente confrontados a uma dupla urgência à qual temos o dever de responder.



a) Urgência de preservação dos patrimônios culturais locais ameaçados e, sobretudo, de restituição aos habitantes das diversas regiões nas quais trabalhamos de seu próprio saber e saber-fazer.



b) Urgência de análise das mutações culturais impostas pelo desenvolvimento extremamente rápido de todas as sociedades contemporâneas, que não são mais "sociedades tradicionais", e sim sociedades que estão passando por um desenvolvimento tecnológico absolutamente inédito, por mutações de suas relações sociais, por movimentos de migração Interna, e por um processo de urbanização acelerado.


LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.



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