Antropologia
Ruth Cardoso diz que saúde indígena não é papel do Estado
Domingo, Dia de refletir sobre o passado. Ou sobre o leite derramado.
Dona Ruth Cardoso, que foi primeira-dama no Governo FHC, em entrevista à Folha de São Paulo, defende as Ongs e diz que a saúde indígena não é papel do Estado. Defende a saída da saúde indígena da Funai, que aconteceu no governo de seu marido. Diz que a Funai não tem recursos nem capacidade para fazer esse papel, portanto deveria a saúde estar nas mãos das Ongs.
Para Dona Ruth não importa o que vem acontecendo desde 1999 com a saúde indígena, primeiro com a passagem para a Funasa, segundo, com a terceirização pelas Ongs, inclusive as indígenas.
Aliás, não há outra saída senão o fortalecimento da Funai. Temos que fazer uma campanha consciente sobre isso e martelar no governo essa idéia. Sem indigenismo, sem o espírito rondoniano, nem saúde nem educação indígena vão para a frente.
Vejam a matéria e reflitam sobre o leite derramado. E pensem em como recolocar o leite na tijela.
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Falta de controle prejudica ONG, diz Ruth
Para ex-primeira-dama, "pouco cuidado" na elaboração de convênios com organizações não-governamentais é causa de fraudes
Ausência de avaliação e de metas, afirma antropóloga, abre brecha para corrupção no terceiro setor, formado por entidades boas e ruins
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em tempos de denúncias contra organizações não-governamentais, a antropóloga Ruth Cardoso decidiu "militar" em defesa da parceria entre governo e sociedade civil. Para ela, os recentes escândalos "respingam" na credibilidade do terceiro setor, composto por organizações boas e ruins.
Uma das principais incentivadoras dessa aliança com o terceiro setor, à frente do Comunidade Solidária, a ex-primeira-dama aponta o "pouco cuidado" na elaboração dos convênios como causa de fraudes. Segundo ela, a falta de avaliação de resultados e de competição para seleção de contratadas abre brecha para corrupção. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - O que a senhora acha da CPI das ONGs?
RUTH CARDOSO - Só não gosto do nome. Devia ser a CPI das contratantes das ONGs. CPI das ONGs coloca em dúvida um setor inteiro.
FOLHA - Por que CPI de Contratante? A senhora acha que a irregularidade está...
RUTH - Quando você contrata sem exigir metas, sem definir tarefas e sem avaliar resultados, está criando uma condição na qual algumas vão se aproveitar dessa situação. Mas tem um problema que é da raiz dessa questão. As ONGs, quando começaram a se desenvolver aqui no Brasil, eram a salvação do país. Eram puras, dedicadas só ao bem. Uma visão muito positiva, quase ingênua. As ONGs, como são representantes da sociedade, refletem todas as posições. Não há posição certa na sociedade, existem grupos que defendem várias. A única posição que não é certa é a da intolerância.
FOLHA - Há intolerância, uma demonização das ONGs?
RUTH - Estamos passando para outro extremo. Como houve uma série de constatações e denúncias de desvio de dinheiro, as ONGs passaram a ser um conjunto diabolizado. Você pega um setor inteiro e confunde com algumas ONGs que, pelo que se sabe, têm, realmente, problemas no uso dos recursos públicos e privados. Busco uma visão mais objetiva. Nem tão puras. Nem tão ruins.
FOLHA - O que é mais delicado nos convênios hoje?
RUTH - São inúmeras as normas de convênios. Agora, realmente, todos estão baseados sempre na idéia de que você tem um certo estilo de prestação de conta, que não leva em conta o resultado. Não há avaliação de resultado.
FOLHA - O terceiro setor chega a receber R$ 1 bilhão por ano do governo. A senhora não acha temerário que assuma o papel do Estado, como na saúde indígena?
RUTH - Primeiro: por que é papel do Estado? E segundo: por que essa desconfiança? Vamos pegar a saúde indígena. A Fundação Nacional, que cuidava da saúde indígena, não tem recursos nem capacidade de dar conta de todo problema indígena, que é complicado no Brasil. Aí, você tem gente que trabalha bem, como tem convênios que não são tão bem cumpridos.
Vou falar mal das ONGs ou vou falar mal do convênio, que deixou uma brecha para não ser cumprido tal como deveria?
FOLHA - A senhora não acha que escândalos recentes, como em SC ou do Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT), acabaram afetando a credibilidade das ONGs?
RUTH - Respinga, sim. Mas posso garantir que deve ter cem vezes mais ONGs que estão lá fazendo seu trabalhinho direito, aliás, com muita dificuldade de arranjar verba, isso sim. Mas isso é o resultado desse pouco cuidado na hora de definir o que é uma parceria com uma ONG e da pouca exigência. Se alguém cria uma ONG e consegue um contrato milionário no dia seguinte é uma coisa estranha, é uma falta de critério. Veja a Pastoral da dona Zilda, a Pastoral da Criança. Faz um trabalho cujo resultado é público e notório. É uma ONG. Mas a gente esquece que existe a dona Zilda. Acaba olhando para o Silvio Pereira.
FOLHA - Mas a senhora concorda que está pesando contra a imagem?
RUTH - Está pesando, estou tentando discutir exatamente isso. Como é que a gente está generalizando e jogando fora a criança com a água do banho. São inúmeras as contribuições.
FOLHA - Esse "pouco cuidado" já existia no governo passado ou cresceu agora?
RUTH - Certamente, não existia. Também não posso garantir que, no governo passado, não tivesse havido alguma falcatrua, porque essas coisas são um pouco incontroláveis, mas controles havia. O tipo de critério, de distribuição de recursos, era bastante mais discutido. Os montantes não eram tão grandes, mas é porque havia uma preocupação. Pelo menos no Comunidade Solidária. Não quer dizer que isso tenha, realmente feito escola em todo o governo. Mas havia uma idéia de que a parceria com a sociedade é uma coisa positiva. Então, acho que posso garantir que havia uma preocupação com critérios mais distintos.
FOLHA - A falta de cuidado acaba alimentando esses escândalos?
RUTH - Só uma situação, na qual você não tem critérios de avaliação de resultados, é que pode alimentar essa situação.
FOLHA - É chato assistir a essa demonização?
RUTH - É claro que acho desagradável. Estamos dando um passo atrás. A gente caminhou no sentido de uma sociedade mais democrática, de maior participação da sociedade civil.
E, de repente, a gente fechou um pouco essas portas e, outra vez, temos domínio de uma visão estatística. Porque isso tudo é resultado dessa visão, de que é o Estado que tem que fazer e que daí o Estado manda. Não há debates, critérios estabelecidos em conjunto. Então, acho triste para o país, sim.
FOLHA - Recentemente, surgiu notícia de que a CGU tinha feito uma devassa no alfabetização solidária (de que é sócia-fundadora). A constatação é de que teria cumprido apenas 10% da meta...
RUTH - Só lamento que você tenha lido essa notícia e não tenha lido, na semana seguinte, a resposta. Fizemos 10% a mais do que as metas.
FOLHA - Li. Mas a senhora acha que houve uma represália do governo?
RUTH - Não posso atribuir intenções. Estamos num jogo político aí que quem inventou e por que, não sei. Só que tem uma inverdade complicada.
Não houve devassa, porque foi uma corregedoria fazendo auditoria. Segundo, não são as ONGs da dona Ruth. Dentro dessa minha visão do que é o terceiro setor, tudo o que eu criei na Comunidade Solidária, todos os meus programas têm parceria público-privado. Fiz tudo ao contrário do que se faz.
Mas continuo sendo acusada de fazer uma LBA. As ONGs têm autonomia. Mas comentam: as ONGs da dona Ruth.
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