Antropologia
Os índios e o Brasil -- A Luta
Nos últimos meses estive pensando seriamente sobre a questão indígena brasileira e nos seus desdobramentos dos últimos tempos. Por duas razões: 1. O que vem ocorrendo ultimamente é muito preocupante, como analisarei abaixo. 2. Estava terminando o livro OS ÍNDIOS E O BRASIL e queria atualizar os últimos acontecimentos dentro de uma análise mais profunda, conforme o intento do livro. Nesses dias venho apresentando este livro ao público, primeiro, em lançamento em São Paulo (já ocorrido, dia 8 de novembro), e em breve em lançamento no Rio de Janeiro -- dia 24 de novembro próximo -- SE POSSÍVEL!
Digo SE POSSÍVEL porque combinei há um mês com os moradores indígenas do velho e venerando Museu do Índio de fazer esse lançamento no próprio Museu, com a presença deles como anfitriões. O Museu é um prédio grandioso, fabuloso, com paredes de 80 cm de largura, dilapidado e abandonado, mas ainda imponente, que dá gosto de ver e estar no seu interior. Os índios moradores ofereceram para fazer danças e prestigiar o evento do lançamento, ao mesmo tempo em que se sentiram felizes por eu ter feito a escolha de lançar o livro em sua Casa, por assim dizer. Entretanto, o livro corre perigo de não ser lançado porque, hoje mesmo, um juiz cassou a liminar que segura a proteção do prédio, que o governador do estado do Rio de Janeiro tem declarado reiteradas vezes que o vai derrubar até virar pó e calçamento para os torcedores estrangeiros passarem por cima.
O velho Museu foi construído em 1862 e pertenceu a um dos genros do Imperador Dom Pedro II, que o doou para ser uma instituição de pesquisa em agro-pecuária e em questões indígenas. Eita mistura comovente! De todo modo, na República Velha ficou com o Ministério da Agricultura e foi lá que o Serviço de Proteção aos Índios foi alojado, com Rondon como seu patrocinador e os tantos diretores que o órgão teve, até 1962, quando foi transferido para Brasília. Foi ali que Darcy Ribeiro, junto com Rondon, Eduardo Galvão e outros, criou o Museu do Índio e também elaborou os termos do Parque Nacional do Xingu, dando uma revirada no indigenismo brasileiro e no processo de reconhecimento de terras indígenas. Foi ali que Rondon abrigou e recebeu tantos índios que iam à sua procura para pedir ajuda nas suas lutas por terra e respeitabilidade. Nesses dias, quando estava em São Paulo lançando o livro, o líder Yawalapiti, do Parque do Xingu, Pirakumã, me falou e me recomendou para dizer a todos que pudesse que seu pai, Kanato, costumava lhe contar que tinha ido a esse Museu falar com Rondon, e que um dia tinha levado o Raoni. Por isso é que sentia simpatia sincera pela luta dos seus patrícios urbanos na preservação do velho prédio. Andamos agora à procura de um foto que demonstre esse evento excepcional.
Tenho apoiado a causa dos índios que tomaram o Museu do Índio, desde 2006, e têm lutado com ardor pela preservação do prédio. Os índios querem transformar esse prédio num Centro Cultural, num Museu Vivo da Cultura Indígena. Acho muito meritória a luta desses índios, que aqui vivem no Rio de Janeiro e se deram conta de que o que o governador e os infiéis e ahistóricos planejadores urbanos pretendem destruir era a memória de sua vida e do seu relacionamento com os demais brasileiros não indígenas. Eles me pediram e escrevi um laudo, já publicado neste Blog, sobre a importância desse prédio e do valor simbólico para o indigenismo brasileiro.
Bem, então não sei se o livro OS ÍNDIOS E O BRASIL será verdadeiramente lançado no velho Museu do Índio. Se tudo der certo, maravilha! Se não, aí está o livro lançado neste Blog. E a luta pela preservação do velho Museu do Índio não para!
Agora, quanto à situação atual dos índios. Nem sei por onde começar. Vou escrever mais amiúde nas próximas postagens.
Por enquanto eis um pequeno resumo. Em suma: o governo Dilma está em grande falta para com os povos indígenas.1. A questão guarani continua a mais premente e mais difícil de solução. Nos últimos tempos ficou mais caótica e mais inclinada para soluções drásticas. A falta de imaginação do governo se alia à perversidade dos fazendeiros, que se arvoram os donos da terra do Brasil.2. O episódio da invasão dos policiais federais (foi uma invasão ostensiva!) e da morte do índio Adenilson Crishi necessita ser reparado pelo governo brasileiro, pela Funai e pelos indigenistas. Não pode passar em brancas nuvens, sob pena do indigenismo brasileiro ficar desacreditado. 3. As pressões advindas do Legislativo brasileiro no sentido de mudar a legislação e as normas indigenistas, inclusive de demarcação de terras, têm que ser bloqueadas. Isso só poderá ser feito por determinação do governo federal, por vontade própria e por senso de responsabilidade histórica.4. O Decreto 303, da AGU, símbolo do desvario atual do governo, deve ser revogado e arquivado imediatamente. Não pode haver negociação sobre isso.5. Os planos de expansão econômica na Amazônia devem ser discutidos com os índios. É aí onde os índios podem encontrar um meio termo com o governo, sem deixar de se posicionar com altivez. Os planos de hidrelétricas, estradas, expansão agrícola e pastoril, manejo florestal e mineração devem ser apresentados aos índios de modo formal, em convenção convocada pelo governo federal, com participação de todas as lideranças nacionais.
Proponho ao governo que faça uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas, tal como fizemos uma em 2006. Dela resultou um documento orientador, o qual não foi levado adiante, mas que precisa ser retomado em sua filosofia básica.
Na nova Conferência, novos termos poderão ser ajustados. Porém os índios devem estar cientes de todo o processo e saberem onde se posicionam, os riscos e incertezas que terão e as possibilidades de participação no "progresso" da Nação.
Nada que diz respeito a impactos sociais e ambientais sobre terras e culturas indígenas pode ser feito à revelia dos índios. Chega de enrolação barata, com fingidas consultas, e depois "tratoragem", brutalidade e política de cooptação no varejo sobre os índios.
Governo Dilma Rousseff: ponha a mão na consciência; ponha as cartas na mesa, exponha suas intenções e negocie com os índios aquilo que é possível de ser feito nos próximos anos. Para usar uma palavra tão usada recentemente no STF, "chega de açodamento", de pressa, de ânsia por fazer coisas que significam a destruição de tantas coisas belas. Se houver clareza e honestidade, os índios saberão escutar, pensar o que pode ser importante para seu futuro, abrir mão de uma prerrogativa aqui outra ali, para ter uma segurança permanente e um lugar ao sol na Nação.
Eis minhas considerações mais sinceras e precisas. Salvo melhor juízo!
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