O Estado Moderno e a Axiomática do Capitalismo - Deleuze e Guattari
Antropologia

O Estado Moderno e a Axiomática do Capitalismo - Deleuze e Guattari


DG mencionam que o surgimento do Estado Moderno Capitalista levou a uma "falência dos códigos" marcada pela "emergência da propriedade privada, a riqueza, a mercadoria, as classes". A partir desse momento, o "Estado já não pode se concentrar em sobrecodificar elementos territoriais já codificados; ele deve inventar códigos específicos para fluxos cada vez mais desterritorializados: pôr o despotismo a serviço da nova relação de classes; integrar as relações de riqueza e de pobreza, de mercadoria e de trabalho; conciliar o dinheiro mercantil com o dinheiro fiscal. (...) O que o Estado despótico corta, sobrecorta ou sobrecodifica, é o que vem antes, a máquina territorial, que ele reduz ao estado de tijolos, de peças trabalhadoras submetida desde então à ideia cerebral" (289-90).

"O Estado, inicialmente, era esta unidade abstrata que integrava subconjuntos que funcionavam separadamente; agora, está subordinado a um campo de forças cujos fluxos ele coordena e cujas relações autônomas de dominação e subordinação ele exprime. Ele não mais se contenta em sobrecodificar territorialidades mantidas e ladrinhadas; deve constituir, inventar códigos para os fluxos desterritorializados do dinheiro, da mercadoria e da propriedade privada. Já não forma por si mesmo uma ou mais classes dominantes; ele próprio é formado por essas classes tornadas independentes e que o incubem da prestação de serviços à potência delas e às suas contradições, às suas lutas e aos seus compromissos com as classes dominadas. O Estado já não é a lei transcendente que rege fragmentos; mal ou bem, ele deve desenhar um todo ao qual dá a sua lei imanente. Já é o puro significante que ordena seus significados, mas aparece agora atrás deles e depende do que ele próprio significa. Já não produz uma unidade sobrecodificante, mas ele próprio é produzido no campo de fluxos descodificados. Como máquina, o Estado já determina um sistema social, mas é determinado pelo sistema social ao qual se incorpora no jogo de suas funções" (293).

"Fluxos descodificados - quem dirá o nome desse novo desejo? Fluxo de propriedades que se vendem, fluxo de dinheiro que escorre, fluxo de produção e de meios de produção que se preparam na sombra, fluxo de trabalhadores que se desterritorializam: será preciso o encontro de todos esses fluxos descodificados, sua conjunção, a reação de uns sobre os outros, a contingência desse encontro, desta conjunção, desta reação que se produzem uma vez, para que o capitalismo nasça e que o antigo sistema encontre a morte que lhe vem de fora, ao mesmo em que nasce a vida em que o desejo recebe seu novo nome" (297).

O "Estado Capitalista", sob o contexto histórico marcado por fluxos de descodificação cada vez mais intensos e generalizados, exerce a prerrogativa de regulação ou regulamentação: esses fluxos exigem "órgãos sociais de decisão, de gestão, de reação, de inscrição, uma tecnocracia e uma burocracia que não se reduzem ao funcionamento de máquinas técnicas. Em suma, a conjunção dos fluxos descodificados, suas relações diferenciais e suas múltiplas esquizas ou fraturas, exigem toda uma regulação cujo principal órgão é o Estado. O Estado Capitalista é o regulador dos fluxos descodificados como tais, enquanto tomados na axiomática do capital. Nesse sentido, ele completa bem o devir-concreto que nos pareceu presidir à evolução do Urstaat despótico abstrato: de unidade transcendente, ele devém imanente ao campo de forças sociais, passa a seu serviço e serve de regulador aos fluxos descodificados e axiomatizados" (334).

"Se é verdade que a função do Estado moderno é a regulação dos fluxos descodificados, desterritorializados, um dos principais aspectos dessa função consiste em reterritorializar, de modo a impedir que fluxos descodificados fujam por todos os cantos da axiomática social. Às vezes, tem-se a impressão de que os fluxos de capitais voltar-se-iam de bom grado à lua, se o Estado capitalista não estivesse lá para reconduzi-los à terra" (342).    

Na axiomática do capitalismo, fundada em processos de desterritorialização e territorialização cada vez mais intensos e abrangentes, o Estado exerce a função de gestão e regulação dos fluxos, conduzindo-os em determinada direção, ordenando-os em compartimentos e vias pré-estabelecidas, garantindo, desta forma, os meios para toda forma de arranjamento e decodificação exercidos pela máquina capitalista.

O Anti-Édipo (Anotações) - Deleuze e Guattari          



loading...

- A Máquina Social 'primitiva' - Deleuze E Guattari
Segundo Deleuze e Guattari, a máquina social primitiva está voltada para a codificação dos fluxos - de mulheres e de crianças, de rebanhos, de sementes e toda espécie de objetos - o que implica em uma série de operações (188). Toda sociedade...

- A Ciência Régia E A Casa Do Imperador
"Não somente a utilidade e o prazer, mas também toda espécie de instinto, tomaram parte na luta pela 'verdade'; o embate intelectual se tornou uma ocupação, um fascínio, uma vocação, uma dignidade: - o conhecimento e a aspiração ao verdadeiro...

- Devir-jovem, Devir-amor - Deleuze E Guattari
"Saber envelhecer não é permanecer jovem, é extrair de sua idade as partículas, as velocidades e lentidões, os fluxos que constituem a juventude desta idade. Saber amar não é permanecer homem ou mulher, é extrair de seu sexo as partículas, as...

- Devir Em Deleuze E Guattari - Mil Platôs
"Devir é, a partir das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se possui ou das funções que se preenche, extrair partículas, entre as quais instauramos relações de movimento e repouso, de velocidade e lentidão, as mais próximas daquilo...

- Fluxos De Modelos Científicos Na Antártida: Varieações De Práticas Brasileiras - Luís Guilherme R. De Assis
Aproveito o espaço para divulgar o trabalho de Luís Guilherme Resende de Assis, colega do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UnB que está desenvolvendo sua pesquisa de doutorado sobre a ciência na Antártida. Segue...



Antropologia








.