Nós, as Mulheres da Periferia
Antropologia

Nós, as Mulheres da Periferia


São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2012Opinião



"Se a periferia tivesse sexo, certamente seria feminino. Como coração de mãe, ela abraça os seus filhos sem distinção, sem ver se é belo ou feio, dentro ou fora dos padrões.
No dicionário, periferia é a região mais afastada do centro. Um termo que designa apenas um espaço geográfico, não o pior lugar da cidade.
Em São Paulo, há mais de 650 mil mulheres vivendo na periferia -e presentes em toda a cidade, trabalhando, estudando e saindo com os amigos. No Brasil, quase 22 milhões de mulheres são chefes de família.
E para quem é considerada uma favelada, alcançar o ensino superior é quase impossível. É como se ela nascesse com seu destino determinado. Jamais vai ter dinheiro para pagar a universidade e a escola pública não vai prepará-la.
Mas agora, belas, agressivas, cheias de gana e autoconfiança, essas mulheres estão driblando as dificuldades para ascender socialmente. Passaram a incluir mais uma atividade em sua dupla jornada, que se tornou tripla, pois também estudam.
Hoje, mais do que nunca, mães que não tiveram oportunidades de ensino podem sonhar com o estudo dos seus filhos. Na periferia, a mãe tem orgulho de dizer à patroa que seu filho "fez faculdade".
Não que o diploma de ensino superior tire a sensação de ser marginalizada. "Ela é formada, mas não na USP. É uma ótima profissional, mas mora muito longe." Essa é a realidade de muitas das 3,6 milhões de brasileiras que fazem faculdade.
Situação que apaga e esconde diversas características da população que está longe dos grandes centros. A periferia tem, sim, pessoas interessadas em arte, moradores engajados em movimentos sociais e políticos que querem mostrar a pluralidade deste "outro mundo".
Yhorranna Ketterman, moradora de Taipas, zona norte de São Paulo, é um exemplo. Ficou grávida aos 17 anos. Sugeriram que ela abortasse, ela recusou. Aos 28 anos e com dois filhos, Yhorranna sonha com uma casa, pois vive em uma moradia irregular. Na favela onde mora, os becos são apertados. Ao abrir a porta, só vê casas coladas -ao menos pode pedir para a vizinha ficar de olho nas crianças quando vai trabalhar.
Ela é metalúrgica e se separou do marido depois de uma briga que a deixou com o dedo torto. Já apanhou, mas também bateu. Como mulher forte que é, decidiu fazer a operação para não ter mais filhos, encarando o machismo do então parceiro, que não quis fazer a vasectomia.
Sozinha e chefe do lar, Yhorranna manda na sua vida.
Não basta, no entanto. Quem de nós nunca ouviu a famosa afirmação: "Você não parece que mora na periferia." Bom, até onde sabemos e vemos, as mulheres da periferia não têm apenas um padrão de beleza, não usam as mesmas roupas e não gostam de um único tipo de música.
Somos negras, brancas, jovens, idosas, mães de outras meninas. Gostamos de fotografia, balé, funk, teatro. Na entrevista de emprego, o local onde moramos cria constrangimento. "Sim, tomo ônibus. Trem. Dois metrôs. E ônibus de novo." No happy hour, é comum escutar: "Lá entra carro? Essa hora é perigoso. Quer dormir na minha casa?". A resposta é não. Saímos cedo, voltamos tarde, mas sempre voltamos.
Trabalhamos perto, trabalhamos longe, dirigimos carros, usamos ônibus. Somos várias, diferentes histórias, o mesmo lugar. É impossível nos reduzir a um estereótipo.
Com o tempo, a mulher aprende a dizer que seu bairro não é tão perigoso quanto pregam. Aprende a não ter vergonha de dizer que é da periferia, pois é lá que estão suas raízes e tudo aquilo que aprendeu.
Ser mulher na periferia é também esperar mais de um mês para ir ao ginecologista. É não conseguir creche para seus filhos. Mas nada disso intimida. Nesta semana da mulher, vale lembrar que pobreza maior é não ter espaço para ser. Na periferia, elas são: mulheres guerreiras.

BIANCA PEDRINA, 27, é jornalista e mora em Taipas
JÉSSICA MOREIRA, 20, estuda jornalismo e mora em Perus
MAYARA PENINA, 21, de Paraisópolis, estuda jornalismo
SEMAYAT OLIVEIRA, 23, jornalista, vive na Cidade Ademar
PATRÍCIA SILVA, 23, é jornalista e mora no Campo Limpo
Todas são correspondentes do blog Mural, da Folha.com



loading...

- Aldeia-favela Em Campo Grande
Uma realidade que cada vez mais está presente em muitas cidades brasileiras é retratada nessa matéria abaixo. Trata-se da urbanização de índios Terena, Kadiwéu e Guarani na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O jornalista da...

- Curitiba Na Vanguarda Da Questão Indígena
Uma das grandes tendências da questão indígena brasileira atual é o processo de urbanização das populações indígenas. Para o bem ou para o mal, não sabemos. O fato é que, em diversas cidades brasileiras, especialmente Manaus, Boa Vista, Rio...

- ?então é Verdade, No Brasil é Duro Ser Negro??
Por: Eliane Brum Fazia tempo que eu não sentia tanta vergonha. Terminava a entrevista com a bela Lucrécia Paco, a maior atriz moçambicana, no início da tarde desta sexta-feira, 19/6, quando fiz aquela pergunta clássica, que sempre parece obrigatória...

- Seminário: A Mulher Negra No Brasil
Maria Mulher promove seminário com palestra de antropóloga norte-americana MARIA MULHER ? Organização de Mulheres Negras promove nesta quarta-feira, 6 de agosto, às 18 horas, o Seminário ?A mulher negra no Brasil? com a presença da Dra. Kia Lilly...

- Amazónia, A última Fronteira
do Miguel Sousa Tavares (o primeiro capítulo do livro "Sul") "Entre os Kayapós do Xicrim são as mulheres quem toma todas as decisões sobre a vida da tribo (...). Só os homens caçam e dançam e só eles é que fazem a guerra. Mas quem decide o...



Antropologia








.