Antropologia
Luzia é só uma variação genética dos primeiros habitantes das Américas
Parece que, finalmente, está desvendado o mistério sobre
Luzia, o mais famoso crânio arqueológico encontrado no Brasil.
O arqueólogo e antropólogo biologista, Walter Neves, da USP, que vinha descrevendo o crânio de Luzia e propondo que era negróide e não mongolóide, avançando a idéia de que teria havido duas ou três migrações dos primeiros habitantes das Américas, agora tem que se render ao fato de que Luzia não é tão diferente assim de outros crânios achados pelo Brasil e por outras partes das Américas. É só uma variação perfeitamente nos conformes com a variação genética dentro de um grupo da mesma origem.
Assim, voltamos à visão anterior de que mais de 98% das populações indígenas das Américas vieram de uma só onda migratória, provavelmente acerca de 20.000 anos atrás. Os 2% restantes correspondem às populações Esquimós e Aleutanas, os povos que vivem as margens do Ártico, que provavelmente são descendentes de uma migração posterior de um povo mongolóide mais recente, portanto mais parecidos com os atuais habitantes da Sibéria.
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Estudo de ocupação da América revê identidade de Luzia
Crânio com características de africanos achado em Minas Gerais seria apenas parte de uma população muito variada
Novo modelo, proposto por quatro cientistas do Brasil e da Argentina, reconcilia genética com dados obtidos em esqueletos antigos
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Luzia, afinal, talvez não tivesse nada de extraordinário. Um novo modelo de povoamento da América sugere que os primeiros habitantes do continente vieram em uma única grande migração, mas eram um grupo muito mais diversificado do que os cientistas têm sugerido.
Segundo essa nova visão, os fósseis humanos desenterrados em Lagoa Santa, Minas Gerais, não eram uma população biologicamente distinta das populações indígenas atuais. Eram mais provavelmente parte de uma imensa variabilidade de tipos que esteve presente nas Américas desde que os primeiros humanos botaram os pés aqui, cerca de 18 mil anos atrás, vindos da Ásia.
Ou seja, apesar de Luzia -o crânio mais famoso de Lagoa Santa e um dos mais antigos das Américas, com 11 mil anos- ser de fato mais parecida com os aborígenes da Austrália ou com os africanos do que com os índios atuais, ela não representa uma onda migratória separada que teria chegado ao continente antes dos asiáticos típicos (mongolóides).
A singularidade de Luzia vem sendo defendida há quase duas décadas pelo antropólogo Walter Neves, da USP, e por seu colega Héctor Pucciarelli, da Universidade de La Plata, Argentina. Eles mediram dezenas de crânios de Lagoa Santa e de outras populações antigas e chegaram à conclusão de que o continente foi ocupado por "dois componentes biológicos principais": o paleoíndio ("negróide") e o mongolóide.
O problema é que, até agora, as análises de DNA têm falhado em explicar como os paleoíndios se extinguiram sem deixar rastro genético nenhum em populações atuais.
Reconciliação
Entram em cena o antropólogo argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico, e os geneticistas brasileiros Fabrício Santos (Universidade Federal de Minas Gerais), Maria Cátira Bortolini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Sandro Bonatto (PUC-RS).
Disposto a reconciliar dados genéticos com as análises de ossos antigos, o quarteto analisou mais de 10 mil dados genéticos e 576 medidas de crânios de populações extintas e atuais do Novo e do Velho Mundo.
Os resultados do esforço, publicados on-line na revista "American Journal of Physical Antropology", questionam tanto a identidade de Luzia quanto o modelo mais famoso de povoamento da América, o das três migrações, proposto também há quase duas décadas pelos americanos Christy Turner e Joseph Greenberg.
"Os dois modelos foram abrandados", disse à Folha González-José, que mantém colaboração com Neves e já defendeu a teoria do brasileiro em vários artigos científicos.
Segundo o pesquisador, o estudo mostra que houve trocas genéticas recentes entre populações asiáticas e americanas do Ártico. Isso fez com que os caracteres mongolóides -desenvolvidos na Ásia há pouco mais de 12 mil anos- se fixassem mais fortemente entre os esquimós e os aleutanos, habitantes da zona circumpolar.
Essa "mongolização" excessiva no Ártico acaba fazendo com que a média das populações indígenas atuais pareça artificialmente asiática. González-José diz que não é isso o que os dados mostram.
"Se você exclui das análises os esquimós e os aleutanos, [as outras populações] não chegam a ser dois componentes tão claros", diz. Ou, numa caricatura, os primeiros americanos seriam "a população de São Paulo menos os japoneses".
Ao comparar diversas medidas dessas centenas de crânios e jogá-las num computador, o que se vê é um grande contínuo de formas no qual todas as populações indígenas se acomodam sem precisar recorrer a mais de uma migração.
É aqui, aliás, que os dados genéticos se encaixam. O novo estudo confirma algo que Santos e outros geneticistas vinham propondo: que todas as linhagens de DNA americanas chegaram de uma vez. "Há uma migração principal que explica 98% de toda a diversidade das Américas", diz o cientista.
Procurado pela Folha, Walter Neves foi lacônico: "Prefiro ignorar o engodo".
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