Antropologia
Dois intelectuais indígenas debatem oportunidade da proposta do Estatuto dos Povos Indígenas
A elaboração do chamado Estatuto dos Povos Indígenas suscitou ultimamente um interessante debate entre dois intelectuais indígenas.
De um lado, Weibe Tapeba, do povo Tapeba, natural do Ceará, que faz parte da CNPI, defende a elaboração dessa proposta e argumenta que ela foi bem debatida nas 10 reuniões indígenas, com inúmeros aportes dos índios. Mesmo assim, tem algumas dúvidas. A principal é que acha que o Ministério da Justiça está com outra versão na gola da manga para soltar quando for conveniente. Assim, Weibe põe em desconfiança a liderança que é exercida pelo atual presidente da Funai na CNPI, já que não demonstra saber o que está se passando no MJ, ou faz jogo duplo com os índios e o MJ.
Do outro lado, está Azelene Kaingang, do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, que participou durante cinco anos ativa e propositivamente da formulação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Azelene acha inoportuno o momento em virtude da péssima atitude anti-indígena que tomou de assalto o Congresso Nacional, sobretudo a partir do ano passado. Azelene também põe em dúvida a legitimidade da consulta feita aos índios, pela quantidade relativamente pequena dos consultados, e requer que o projeto seja discutido por um foro mais amplo.
Do depoimento de Weibe, participante da CNPI, transparece a ideia de que o tal projeto do MJ põe de banda a matéria sobre terras indígenas, considerando o tema já esgotado. Isto parece estranho já que o grupo que controla a Funai, sob a supervisão das Ongs neoliberais e do CIMI, professa que seu propósito é demarcar todas as terras indígenas que faltam ser demarcadas, inclusive as dos Guarani do Mato Grosso do Sul. E que o Estatuto novo viria para confirmar legalmente essa possibilidade já iniciada pela Constituição.
É difícil saber o que acontecerá. De todo modo, Azelene alerta o seu colega para o resultado da votação no STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa serra do Sol e as 18 ressalvas propostas pelo ministro Menezes Direito e confirmadas pela maioria dos ministros que já votaram.
Amanhã é o dia D do indigenismo brasileiro. É esperar um pouco mais e ver quem tem razão nesse debate.
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Análise de Weibe Tapeba sobre a situação do CNPI e a proposta do novo Estatuto dos Povos Indígenas
A CNPI e o Estatuto
Desde o ano passado a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI -- vem utilizando seus esforços com vistas a debater e implementar emendas junto ao substitutivo da Lei nº 6001 que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Em 2008 foram realizadas 10 oficinas regionais com a participação de 1.150 indígenas dos diversos povos do país com o objetivo de conhecer o projeto de substitutivo, discutir seu conteúdo e propor contribuições para que o fórum da CNPI pudesse absorver essas colaborações para o estatuto.
Desde o final das oficinas um grupo de assessores estavam responsáveis de sistematizar as propostas vindas das oficinas e configurá-las num padrão minimamente técnico para que as diversas sub-comissões da CNPI, reunidas desde a última quinta-feira pudesse analisá-las, adequando-as num formato jurídico, para que o resultado possa ser apresentado em sua plenária final que ocorrerá nos dias 12 e 13 de março de 2009 (quinta e sexta-feira próxima).
Na última sexta-feira, os representantes da bancada indígena na CNPI, ao se deparar com o esvasiamento dos assessores e representantes de governo dentro das sub-comissões foram informados de uma possível tentativa do Ministério da Justiça apresentar um projeto de estatuto paralelo ao que vem sendo discutido na CNPI. Ora se a CNPI é um fórum que se configura na estrutura do MJ, é de se estranhar os meios pelo qual motivou o MJ a tentar emplacar esse tipo de cartada que traz inúmeros interesses políticos. a partir da ida de uma comissão ao MJ parece que se conseguiu reverter a tentativa do MJ de apresentar o projeto já na próxima plenária.
Os encaminhamentos propostos nessa reunião, seria que todo trabalho sistematizado pelo MJ semelhante ao que foi feito na CNPI seria absorvido como colaborações durante esses dias de discussão. O que nos estranha, é que até o momento nenhum documento oficial do MJ chegou até o conhecimento da CNPI para análise nas sub-comissões. Diante disso fica uma deixa.
O que o MJ irá fazer com a proposta paralela ?
Vale ressaltar que muitas situações específicas e de grande interesse dos povos indígenas brasileiros não vem sendo tratado com a atenção devida pelo governo brasileiro. Isso se reflete nas propostas de retirada do capítulo que dispõe sobre a regularização fundiária. Que para o governo jé um ponto superado e resolvido e o que teria sobre essa temática seria apenas mecanismos de gestão territorial. Ora se o movimento indígena, possue uma agenda bem definida em que as demandas iniciais são sempre as questões relacionadas a regularização fundiária das T.I´s no país que ainda é a prioridade diante dos diversos territórios ainda não solucindos no Brasil.
Outras questões colocadas estão ligadas a políticas setoriais. Nesses últimos 30 anos a política indigenista brasileira passou por intensas transformações. Os avanços relacionados a atenção a saúde dos povos indígenas e a educaçlão escolar indígena trouxe grandes preocupações quanto as formas de atualização da legislação ao contexto contemporâneo. Esperamos, que os resultados desse processo de fato possa interferir positivamente na vida dos povos indígenas brasileiros. Já que até então, os interesses do governo em muitos dos casos têm sobreposto aos interesses de nossas populações indígenas.
Brasília-DF, 10 de Março de 2009.
Saudações Indígenas,
Weibe Tapeba
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Considerações de Azelene Kaingang sobre o CNPI e o momento atual da questão indígena brasileira
Estimado Weibe,
A questão que envolve as discussões sobre uma nova proposta de Estatuto do Índio é na verdade bastante polêmica entre os próprios Povos Indígenas, a começar por aqueles que entendem que é extremamente perigoso apresentar uma proposta que abre, para os grupos políticos anti-indigenas, a possibildade de extrair direitos já conquistados e consolidados, entre eles a forma de proteção aos Povos Indígenas.
Como indígena e defensora dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, me preocupa a forma como foram feitas as oficinas que resultaram na proposta da CNPI que será apresentada ao Congresso Nacional. A participação de 1.150 indígenas é aproximadamente 0,15 por cento da população indígena brasileira o que é muito pouco para definir os destinos de mais de 240 Povos Indígenas, e mais, viola frontalmente o artigo 6º da Covenção 169 que reza o seguinte:
Artigo 6º
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Nós temos denunciado junto as Nações Unidas a não aplicação da Convenção 169 no Brasil e gostaríamos que os membros indígenas da CNPI fossem os principais guardiões dos direitos indígenas usando para isso os instrumentos nacionais e internacionais disponíveis. Está claro que as oficinas realizadas não podem ser caracterizadas como "consultas", porque não obedecem os critérios do artigo 6º da Convenção 169/OIT, portanto sendo passível de contestação por qualquer Povo, organização ou liderança indígena, na medida em trata de uma medida legislativa que afetará a todos.
Com todo o respeito a alguns dos membros indígenas da CNPI, a sua preocupação, Weibe, explicita o desrespeito e o descaso com Vocês membros indígenas e com nossos Povos, se a CNPI é presidida pelo MJ, porque será que se ventilou uma proposta paralela a da CNPI que retira do estatuto direitos fundamentais e humanos dos Povos Indígenas como a questão territorial?
Para nós que assistimos de fora, porque fomos proibidos pelos membros indígenas da CNPI de participarmos das discussões do Estatuto do Indio, o governo conseguiu "engessar" as grandes organizações e grandes líderes dos nossos Povos, porque enquanto Voces brincam de legislar a portas fechadas o STF pode tornar súmula as 18 condicionantes oriundas do julgamento de Raposa Serra do Sol, que deixam por terra direitos que custaram o sangue de muitos líderes indígenas e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso.
O STF pode ainda consolidar a súmula 650 que diz que antigos aldeamentos indígenas não poderão ser consideradas terras de ocupação tradicional, portanto não sendo passíveis de retomadas e reivindicações, enterrando definitivamente o sonho de Povos como Guarani Kaiwoá, Potiguara, Kaingang e tantos outros de terem de volta seus territórios e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso, as obras do PAC estão passando como um trator sobre os Povos Indígenas e seus direitos e não vemos a CNPI se manifestar sobre nada.
Na verdade, Weibe, a CNPI é uma forma de mantê-los ligados em questões estratégicas para o governo,e desvia as atenções de Vocês para questões estratégicas para os Povos Indígenas, espero que Vocês não acordem tarde demais para perceberem que Vocês estão a serviço dos interesses contrários aos dos Povos Indígenas e longe de fazerem da CNPI uma mesa de diálogo franco, aberto e transparente entre os Povos Indígenas e o Estado brasileiro.
No mais esperamos que a proposta da CNPI de Estatuto dos Povos Indígenas seja democráticamente submetida a um fórum maior e se torne pública antes de ser enviada ao Congresso Nacional.
Com Saudações Kaingáng,
Azelene Kaingáng
Socióloga
Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2006
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