Direitos Humanos em Tempos de Crise
Antropologia

Direitos Humanos em Tempos de Crise


MARIA NAZARETH FARANI AZEVÊDO


O CDH (Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas) realizou sua décima sessão especial, em Genebra, no último dia 20 de fevereiro, para tratar dos efeitos da atual crise econômica e financeira sobre o pleno exercício dos direitos humanos no mundo. O Brasil, ao lado do continente africano -representado pelo Egito- e dos parceiros dos Brics, foi um dos principais patrocinadores do evento.Ao promover a iniciativa, o governo brasileiro atraiu para o órgão a responsabilidade de apelar a todos os membros das Nações Unidas para que unam esforços no combate à crise, examinando não apenas sua dimensão puramente econômico- financeira mas também -e sobretudo- sua dimensão humana.O encontro permitiu definir dois parâmetros importantes. A cooperação e a coordenação de ações entre países são elementos essenciais para superar as dificuldades atuais, e a atenção aos direitos humanos, em especial em benefício dos mais afetados pela crise econômica, é parte indispensável de qualquer estratégia vitoriosa de combate à crise.A sessão especial contou com a participação de relatores especiais do CDH e de representantes de organizações do sistema ONU, com atuação em diversas áreas -trabalho, saúde, fome e pobreza, migrações, comércio, discriminação racial e desenvolvimento econômico. O próprio presidente da Assembleia Geral da ONU, padre Miguel d'Escoto Brockmann, ao comparecer agora em março pela primeira vez a uma sessão regular do CDH em Genebra, saudou a iniciativa patrocinada pelo Brasil e convidou a alta comissária da ONU para Direitos Humanos e o presidente do CDH para estarem presentes em Nova York em junho, no contexto da reunião já agendada para discutir os impactos da crise financeira.O encontro sobre a crise financeira e os direitos humanos não esteve voltado para controvérsias em relação às responsabilidades e causas do problema, mas para um debate rico, marcado pela presença de diversas perspectivas sobre os efeitos da crise, suas implicações, sua evolução e as medidas para contorná-la.Segundo o Banco Mundial, até 53 milhões de pessoas passaram a enfrentar a extrema pobreza como consequência direta do cenário econômico vigente. A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navanethem Pillay, em seu discurso na sessão especial, salientou que a atual crise atinge diversos grupos vulneráveis, cujo acesso a um emprego digno e a redes de proteção social é ameaçado pelas dificuldades econômicas do momento. Em especial, mulheres, crianças, migrantes, refugiados, indígenas e deficientes físicos estão entre aqueles que mais sofrerão com a crise.A pobreza e a exclusão social estão na base da maioria dos casos das violações dos direitos humanos. O desrespeito aos direitos sociais básicos é ameaça concreta à estabilidade política, ao Estado de Direito e à democracia em todo o mundo. Uma atuação que tenha por prioridade a eliminação da extrema pobreza e o combate à exclusão social não apenas garante o incremento concreto das condições de vida das populações mais carentes mas também protege os direitos civis e políticos, vitais para a consolidação de sociedades justas e democráticas.Em sua atuação, o Brasil privilegia a busca por soluções globais para enfrentar problemas de alcance global: a construção de uma agenda positiva é o meio mais eficaz para proteger os direitos humanos. Nesse contexto se insere a proposta brasileira de que a atual crise seja tratada no CDH.O Brasil defende que toda situação específica de violação aos direitos humanos deve ser investigada, e seus perpetradores, processados e punidos. Entende ainda que o Conselho cumprirá melhor sua função se atuar também de maneira preventiva, buscando impedir a transgres-são das obrigações impostas aos Estados pelas normas internacionais de direitos humanos e de direito internacional humanitário.Direitos humanos não podem ser impostos pela força nem pela simples previsão legislativa -que, embora seja importante, não garante sua efetiva implementação. Um processo político e social inclusivo -em que prevalecem o diálogo e a promoção de uma agenda positiva envolvendo a comunidade internacional de forma abrangente- auxilia na superação de desafios e promove um ambiente de confiança mútua entre Estados.Tal atmosfera é elemento essencial para garantir a eficiência dos esfor-ços internacionais de promoção dos direitos humanos.

MARIA NAZARETH FARANI AZEVÊDO, diplomata de carreira e embaixadora, é representante permanente do Brasil nas Nações Unidas em Genebra.

Publicado na Folha de São Paulo, 15/03/09



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