Direitos Humanos & Antropologia [ II ]
Antropologia

Direitos Humanos & Antropologia [ II ]


publicado no Boletim 30 ABA 1998

DIREITOS HUMANOS E ANTROPOLOGIA
Luís R. Cardoso de Oliveira
Antropologia/CEPPAC/UnB

Creio que qualquer pronunciamento da ABA sobre direitos humanos deve procurar conjugar o tema com a perspectiva da disciplina, e é deste ponto de vista que articulei as idéias que se seguem. Nas últimas duas ou três décadas a área de interseção entre as noções de direitos humanos e de cidadania tem se expandido de maneira sistemática e cada vez mais acentuada. Seja devido à ampliação da noção de direitos de cidadania e do espectro de relações que ela passou a englobar, seja porque a intensificação das relações internacionais em escala intercontinental e a ameaça do potencial de destruição atômico, assim como o surgimento de uma consciência ecológica através do enfrentamento dos problemas relativos à preservação do meio-ambiente, deram lugar e concretude à idéia de interesses humanos compartilhados no âmbito do planeta. Paralelamente a este desenvolvimento, ainda que de forma mais ou menos conectada a ele, começou a ganhar visibilidade um movimento de afirmação de direitos de natureza um pouco diferente mas facilmente articulável a temas e preocupações tradicionais da antropologia. Estou me referindo às demandas de reconhecimento ? ou à "política de reconhecimento" de que nos fala Charles Taylor ? as quais têm sido associadas à problemática do multiculturalismo, aos conflitos ou reivindicações de cunho nacionalista, e aos direitos das minorias de uma maneira geral.
Se, por um lado, as demandas de reconhecimento supõem ou defendem o respeito aos direitos básicos de cidadania, isto é, procuram assegurar o acesso das minorias aos mesmos direitos de cidadania (políticos, civis e sociais) compartilhados pelas maiorias, por outro lado, afirmam a necessidade da singularidade das minorias ser reconhecida como um valor. Trata-se da importância de se reconhecer o mérito da peculiaridade do grupo ou segmento social em pauta, cuja eventual desconsideração se constitui numa agressão de cunho moral, mas que não deixa de se traduzir num desrespeito à (direitos de) cidadania. Taylor tem caracterizado as demandas de reconhecimento como um desdobramento do processo de transformação da noção de honra em dignidade e que, tendo provocado inicialmente um movimento em direção à universalização de direitos (aqueles que nos habituamos a associar à cidadania), acabou desembocando num segundo movimento marcado pela afirmação de uma identidade autêntica, tanto no plano individual como no coletivo. Além de reivindicar o direito ao exercício de um interesse ou à manifestação de formas de vida não universalizáveis, as demandas de reconhecimento requerem que as maiorias, ou que os interlocutores daqueles que apresentam a demanda, atribuam ou sejam capazes de expressar um valor positivo em relação as peculiaridades do grupo demandante. Ou seja, as demandas de reconhecimento exigem o estabelecimento de ao menos um mínimo de dialogia entre as partes, e não pode ser satisfatoriamente equacionada no plano legal. Pois, ao lado da obediência a um dever (legal ou moral), a prática do reconhecimento supõe a internalização de um valor.
Neste contexto, me parece que nossa Comissão de Direitos Humanos deveria dirigir seus esforços para a área de confluência entre a problemática do respeito aos direitos universalizáveis de cidadania, e das demandas de reconhecimento de singularidades sócio-culturais. Em outras palavras, creio que devemos nos preocupar em contribuir para a eliminação de práticas discriminatórias de qualquer tipo, assim como para o esclarecimento ou divulgação do valor intrínseco contido nas formas de vida cultivadas pelas minorias, na medida em que estas representam e/ou podem ser percebidas como uma manifestação da humanidade que todos compartilhamos. Sei que esta breve exposição do problema não vai além da definição de alguns princípios básicos, e reconheço ainda não ter muita clareza sobre exatamente como estas idéias poderiam ser implementadas no âmbito da Comissão. Entretanto, acho que a direção de nossas preocupações deveria ser mais ou menos esta.



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