Antropologia
Balanço da semana
A semana se conclui com alguns acontecimentos inesperados e outros mais do que esperados.
É inesperada a atitude desajeitada do ministro José Gomes Temporão, da Saúde, em acusar a Funasa de corrupção -- e logo depois retirar a acusação. A Funasa pertence ao seu ministério, assim a acusação sai como um tiro no pé. O ministro queria agradar aos índios presentes à reunião onde falou sobre sua decisão de criação de uma nova secretaria. Pensava que estivessem com ele, mas não estavam. Faltaram-lhe conhecimento e sensibilidade para a questão indígena e entender o momento por que passam os índios. Como, aliás, é o caso da Funasa e de muitos de seus funcionários, a quem falta conhecimento de causa. Agora o PMDB está pegando fogo contra ele, que não era de sua turma, e estava tentando trazer alguma racionalidade àquele ministério. Dizem os chefes do PMDB que Temporão é um homem competente, mas para ser ministro tem que saber ser político. Vão-lhe puxar o tapete na próxima terça-feira.
O pior de tudo é que, não obstante tachada de corrupta, a Funasa continua e continuará a ser o agente de saúde indígena. Aí torna-se irresponsabilidade administrativa. Ou o ministro demite o presidente da Funasa e continua no seu propósito de mudar a saúde indígena para outro setor do seu ministério, ou se declara inepto e pede demissão.
As consequências da acusação do ministro já estão repercutindo entre os índios. Alguns estão muito aborrecidos com sua fala. Segundo jornais de Brasília, alguns membros do Conselho de Saúde Indígena chegaram a ameaçar a integridade do ministro nos corredores do ministério. Os que vivem do mister já estão buscando apoios políticos por aí afora. No Maranhão os Guajajara invadiram e tomaram as adminsitrações da Funasa em Imperatriz e Arame e pressionam por novos recursos, pessoal, cuidados e assistência. A roda-viva continua a girar...
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No Mato Grosso o esperto governador Blairo Maggi está tentando ganhar tempo com os índios Enawenê-Nawê para dar continuidade aos seus planos de fazer hidrelétricas no rio Juruena. Quantas? Onde? Com permissão de quem? Será que o belo Juruena vai virar um rio europeu com barragens a cada 50 km?
As negociações correm soltas. Não sabemos ainda no que vão dar. Será que os Enawenê se conformarão com a construção dessas hidrelétricas ou partirão para cima de novo? Por que a Funai deixou a coisa correr tão frouxa sem definir sua posição? Nesses dias o presidente do órgão, ao ser forçado a fazer alguma declaração sobre a questão, disse que a Funai não dava licença de implantação de nada, apenas apresentava ao IBAMA sua avaliação. Ora, é muito sofisma barato, é fugir da raia, pois a avaliação da Funai, para o bem ou para o mal, é que determina a licença ou não. Como já aconteceu tantas outras vezes. Por essas e por outras é que ele foi acossado com flechas e acusado de inoperante pelos Enawenê-Nawê na reunião que tiveram em Brasília semana passada.
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A propósito de permissão, diversas Ongs internacionais e brasileiras, juntas com o Ministério Público e outros órgãos federais, fizeram um seminário essa semana em Brasília para discutir a implementação da Convenção 169, que declara que o governo tem que consultar os índios sobre quaisquer empreendimentos que queira fazer que os possa atingir de algum modo.
Nada demais. Acontece que, o modo como organizaram o seminário, a radicalidade anti-estado que querem impôr na interpretação que fazem da Convenção 169 terminam causando novos problemas para a questão indígena brasileira. Segundo me informaram alguns presentes a esse seminário, a fala da socióloga indígena Azelene Kaingang foi a mais lúcida, não obstante a mais radical. Inclusive ela expôs sua opinião de que a Comissão Nacional de Política Indigenista não tem legitimidade de representação dos povos indígenas brasileiros por ser composta de índios nomeados por Ongs indígenas e não pelos povos em eleição. Azelene Inácio Kaingang é uma das poucas indígenas que não temem discutir em público os problemas das contradições internas do movimento indígena. Foi demitida do cargo de Coordenadora-Geral de Direitos Indígenas da FUNAI e está sendo perseguida com um Processo Administrativo Disciplinar instalado contra ela pela atual gestão da FUNAI por uma questão em que ela é absolutamente inocente.
Em reação às reportagens dos jornais sobre o seminário, o jornal
O Estado de São Paulo saiu ontem com um artigo do articulista Rolf Kuntz, e hoje com um editorial, contra a Convenção 169. Dizem ambos que a Convenção 169 dá privilégios aos índios e quilombolas, que podem vetar quaisquer programas que os atinjam. Isso é verdade parcialmente, pois na própria Convenção a intenção é de haja informação livre e transparente para que possa haver conhecimento integral das ações e com isso uma discussão franca que possa levar a pontos de consenso.
Nada demais, se isso for bem feito. Acontece que dá margens a se pensar que a Convenção 169 é uma imposição exterior às leis brasileiras. Ora, o Estatuto do Índio e a Constituição Federal, como disse o ministro Ayres Britto em seu voto sobre a homologação de Raposa Serra do Sol, já são fortes garantidores dos direitos indígenas. A informação transparente e o consenso já são, com licença da palavra repetida, consenso entre todas as partes e já faz parte da atitude brasileira em relação aos povos indígenas.
Há alguns anos, desde que fui presidente da FUNAI, pelo menos, nenhum empreendimento que de algum modo impacte uma terra indígena recebe licença da FUNAI sem antes os índios serem consultados. Consulta, no caso, significa uma explicação clara do que pode acontecer, das consequências e dos processos de amenização dos impactos e ressarcimentos. Em muitos casos, os índios recebem algum tipo de compensação, se forem atingidos. É o caso da UHE Eduardo Magalhães, por exemplo, que atingiu parcialmente a Terra Indígena Xerente. É o caso dos Parakanã, Waimiri-Atroari, Gaviões, Guajajara, Krikati, para mencionar os mais conhecidos.
Na verdade, não é nada fácil fazer o processo de consulta aos índios. Primeiro porque é difícil explicar o que está planejado e ainda mais o que poderá acontecer. Os dados de engenheiros e planejadores são feitos no papel, um tanto obscuros, para se dizer o mínimo. Segundo, e mais importante, há muita interferência de muitas partes: da Igreja, através do CIMI, das Ongs neoliberais, como o ISA, e das Ongs empresariais, como o CTI, que vivem dos contratos que fazem e da ambiguidade em fingir que alcançam um objetivo para as empresas e ao menos tempo fazem outro discurso para os índios.
Daí é que as coisas se encrencam ainda mais. Vide o licenciamento da UHE Jirau, que só saiu ontem, parcialmente, pelo IBAMA, e cujos estudos originais, feitos pelo CTI, diziam que não havia problema para a FUNAI, o que a fez conceder o seu nihil obstat. Só que agora veio a informação de que há índios autônomos na região, fato que até então não fora motivo de descomprometimento do relatório do CTI.
E o caso da UHE Estreito, que se viu forçada a contratar o CTI, depois de já ter contratado outro antropólogo, sob pressão de um segmento dos índios Krahô, e cujo relatório final deixa no ar, sem determinar seus efeitos reais, os possíveis impactos dessa possível usina hidrelétrica sobre as terras indígenas dos Krahô e dos Apinajé. Com isso dá a deixa para os índios protestarem e buscarem algum tipo novo de compensação. E mais estudos são sugeridos e mais espaço para protestos. Inclusive do Ministério Público, que eventualmente é chamado para intervir.
No Brasil, não é fácil se construir alguma coisa. É muito fácil não deixar construir e mais ainda derrubar. Como é que Juscelino Kubitschek construiu Brasília??
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