Auto-declarados indígenas não são indígenas
Antropologia

Auto-declarados indígenas não são indígenas


Movido por uma interpretação equivocada da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que virou lei no Brasil desde abril de 2004, segundo a qual "o auto-reconhecimento de ser indígena é fundamental para a identidade indígena", o Ministério da Educação instituiu no seu programa de bolsas de estudos em universidades particulares -- PROUNI -- que se o estudante se declarasse indígena ou negro valeria por sua palavra. Por mais que os artigos 1º e 2º da referida convenção diga que indígena tem que ter substancialidade cultural, isto é, tem que ser diferenciado do resto da sociedade por tradição anterior e tem que ser reconhecido por não indígenas como tal, muitos antropólogos que seguem a lógica da diferença em suas análises deixam esses critérios de lado e optam pelo auto-reconhecimento como uma verdade em si e como um posicionamento ético superior. Mal sabem que, fugindo da verdade contextualizada, recusam ver a realidade e terminam prejudicando os próprios interessados.

Pelo simples critério de auto-declaração, centenas de pessoas pelo Brasil afora se declararam indígenas. A fraude é incomensurável, pois, já que as vagas são restritas, outras pessoas, indígenas legitimamente, perderam a oportunidade de receber algum tipo de auxílio à sua educação superior.

Segundo a matéria abaixo, feita pelo jornalista Lúcio Vaz, do Correio Braziliense, diversos estudantes que ganharam a bolsa do PROUNI, demonstraram em suas entrevistas que haviam burlado, fraudado ou ao menos enganado ao se dizerem indígenas, ou declararam que eram descendentes por ter supostamente uma bisavó, mãe de seu avô, como sendo indígena. Sempre a bisavó! Vale a pena ler no site do Correio Braziliense essa matéria, que contém as falas de cinco estudantes em podcast.

A matéria fala também que um deputado do Rio Grande do Sul levou essa denúncia de fraude ao Ministro Márcio Thomas Bastos, que prometera ao deputado levar a denúncia adiante, mas não o fez.

Mas eu fiz, como presidente da Funai. Levei-a ao Ministério da Educação, como queixa formal da Funai pelo critério feito e pelas fraudes ocorridas. A coordenação-geral de educação da Funai, a meu pedido, telefonou para diversas pessoas contempladas e seu deu conta de que não eram indígenas. Minha queixa formal foi feita às secretarias de Educação Superior, cujo secretário era Nelson Maculan, e à secretaria de Educação Diferenciada, cujo secretário me escapa. Ambos reconheceram a impropriedade de se fiar na auto-declaração como critério único de reconhecimento de identidade, mas não mudaram as regras para que a Funai tivesse um dizer sobre isso. Preferiram deixar que os ideólogos desse procedimento mantivessem sua posição. Com isso, ainda hoje permanecem os fatores de fraudes continuadas e, portanto, de prejuízo aos verdadeiros índios.

Este caso representa muito bem os prejuízos que a visão ideológica da antropologia da diferença pode trazer para índios e quem mais forem contemplados por suas análises. Dizer que índio é simplesmente aquele que se declara indígena, sem contar sua experiência vivida, é, não somente uma fraude intelectual, mas um desvio moral. É o oba-oba da sabedoria de uma antropologia leviana.

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Fraude na cota de índios do ProUni

Alunos que se disseram indígenas para receber bolsas de estudo negam descendência ao falar com o Correio. possível fraude, denunciada ao governo, nunca foi apurada

Lúcio Vaz - Correio Braziliense

Levantamento feito pelo Correio identificou, em vários estados, casos de estudantes que se autodeclararam indígenas e foram contemplados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação (MEC), mas agora negam ser descendentes ou mesmo que tenham dado essa informação ao preencher o formulário de inscrição. Alguns até se mostraram surpresos ao serem informados de que são identificados como indígenas no cadastro do MEC. A denúncia de que poderia haver irregularidades no programa foi feita ao Ministério da Justiça, em 2005, mas não chegou a ser investigada. A reportagem obteve cópia do cadastro dos bolsistas, que continha 527 nomes, e entrevistou vários deles.

A lei que criou o Prouni prevê um percentual de bolsas de estudo destinado a autodeclarados negros e índios. Esses últimos, ocupam 961 das 385 mil vagas ofertadas atualmente pelo programa (0,2% do total). De acordo com a legislação, o percentual reservado aos cotistas deve ser, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas e negros em cada unidade da Federação. Mas para receber o benefício é preciso cumprir também a primeira exigência do programa: renda familiar per capita de um salário mínimo e meio para bolsa integral e renda de até três salários mínimos para bolsas parciais de 50% e 25%.

A simples autodeclaração, sem a exigência de documentos que comprovem a descendência, abriu brecha para possíveis fraudes. Procurada pela reportagem, a estudante Kátia Cristina Viana, que recebeu bolsa integral para o curso de direito, em Londrina (PR), afirmou, inicialmente, que ingressou pelo critério da renda familiar. Questionada se seria descendente de índios, respondeu: ?Minha avó é meio que índia. Eu me considero índia, até mesmo pelo meu cabelo, que é preto, liso, comprido?.

A confusão é comum entre os estudantes que estão nos cadastros do MEC como indígenas (veja quadro). Niedja Kaliene de Souza, que recebeu bolsa integral e já se formou em pedagogia na Faculdade AD1, em Ceilândia (DF), explicou: ?O questionário estava malfeito, malformulado. Aí, com pressa, eu fui numa lan house e optei por raça indígena. Só que eu já entrei até com recurso, porque eu não sou, e coloquei lá uma raça que não era minha. Eles mandaram uma carta falando que tudo bem, que iriam pegar pela renda?.

Informação

Os dados foram reunidos a partir de um requerimento de informação apresentado pelo deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS) ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em 2005, sobre o número de alunos indígenas nas faculdades e universidades brasileiras. Questionado, o MEC informou que havia 1.568 indígenas matriculados em instituições de ensino superior no segundo semestre de 2004, sendo 55,6% em instituições privadas. A Secretaria de Educação Superior (Sesu) do ministério também encaminhou cópia da relação dos estudantes que se autodeclararam indígenas no Prouni.

O deputado perguntou ainda como são pagos os benefícios e bolsas patrocinados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Funai respondeu que as despesas com pagamentos de mensalidades, aquisição de material didático, apoio à alimentação e hospedagem são pagas pelas suas unidades regionais, diretamente aos respectivos credores. Acrescentou que os estudantes indígenas do ensino superior têm apresentado quatro tipos de necessidades para garantir a sua permanência em cursos de graduação: habitação, alimentação, transporte e material escolar. ?Sem que recebam suporte, mais de 60% desses estudantes são forçados a desistir dos estudos. Em Roraima e Tocantins, esse percentual de evasão foi superior a 80%?, diz o documento.

A situação mais preocupante dizia respeito aos indígenas que viviam em terras distantes dos centros urbanos. ?Ainda que a Funai disponha de uma ação para apoiar estudantes do ensino superior, os recursos orçamentários não são suficientes, visto que a manutenção de um único aluno pode ficar em torno de R$ 900 por mês?, complementa o documento da Funai.

Alguns estudantes comentam sobre essa ajuda de custo. Cristina Ferreira recebeu bolsa integral para Administração, na Universidade Tuiuti, no Paraná. Ela diz que a sua mãe é filha de índios, mas confessa que teve um problema no primeiro ano: ?Vieram uns papéis da Funai para provar o negócio de árvore genealógica, mas eu não fui atrás. O rapaz falou: ?Se você provasse, teria direito a receber salário mínimo, além da bolsa?. Só que daí não deu em nada?.



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