Antropologia
Ampliando as Redes de Conversação: pesquisa e Justiça Restaurativa
Entrevista dada por Patrice Schuch (antropóloga) a Susiani Silva, jornalista do Projeto Justiça para o Século XXI, sobre a relação entre pesquisa e a a implantação das práticas restaurativas em Porto Alegre. Partes da entrevista foram publicadas, em 2008, no jornal "Justiça para o Século XXI", do Juizado da Infância e Juventude do RS.
Susiani: Qual a importância do fórum de Pesquisadores em JR para o Projeto?
Patrice: O Fórum de Pesquisadores em JR tem uma importância fundamental como espaço aglutinador e oxigenador de idéias, debates e estudos sobre as práticas restaurativas. Ao reunir estudantes e pesquisadores do tema, permite o conhecimento das análises que estão sendo realizadas sobre o assunto, assim como a troca de perspectivas entre saberes e disciplinas variadas. Ao mesmo tempo, oportuniza o debate de bibliografia e a formação de um campo de discussão que se elabora na interface entre academia e profissionais diretamente vinculados às políticas de intervenção judicial, enriquecendo ambos espaços profissionais através de um esforço colaborativo. Gostaria de ressaltar também a oportunidade que os pesquisadores têm, através do Fórum de Pesquisadores, de ter a sua disposição um espaço de acolhimento de seus projetos de pesquisa, isto é, encontrar informações claras acerca dos procedimentos necessários para a realização de análises que envolvem o uso de documentos, participação em encontros, entrevistas com agentes judiciais, etc. No que se refere à Justiça da Infância e Juventude, trata-se de otimizar o recebimento das demandas crescentes de estudos na área, oportunizando aos pesquisadores a divulgação e debate de suas pesquisas no próprio âmbito da justiça da infância e juventude.
Susiani: De que forma os pesquisadores podem colaborar para o trabalho prático no Projeto?
Patrice: A participação regular no Fórum de Pesquisadores é uma forma de colaboração prática, pois o ponto de partida das idéias desse espaço é uma indissociação entre ciência e engajamento prático nos debates que assolam nossa sociedade. Desta forma, os pesquisadores enriquecem o Projeto Justiça para o Século XXI através das interrogações que colocam, dos debates que incitam e, sobretudo, com a variedade de perspectivas que podem advir de pessoas com formações profissionais distintas. A apresentação dos dados das pesquisas que são realizadas, o debate sobre seus pressupostos e as possíveis publicações dos estudos, assim como a própria divulgação das idéias e valores da Justiça Restaurativa em outros espaços, como aulas e seminários acadêmicos, também merecem destaque. Gostaria de ressaltar, entretanto, que o Projeto Justiça para o Século XXI também coloca muitas interrogações para os pesquisadores que estão, de certa forma, "experimentando" novas formas de posicionamento social, tendo que lidar com uma herança positivista que dissociava a ciência e a realidade e trabalhava com uma idéia de neutralidade científica que paralisava qualquer engajamento político e social dos pesquisadores. Há um paralelo entre as inovações propostas pela Justiça Restaurativa, no âmbito da justiça, e a inovação trazida aos pesquisadores pelo formato do Fórum de Pesquisadores, sinalizando a possibilidade de experimentações no que se refere às maneiras de diálogo e crítica social.
Susiani: A senhora participa e orienta muitas pesquisas sobre a Justiça Restaurativa. Para a senhora, qual a importância do desenvolvimento de estudos e pesquisas nesta área?
Patrice: Através de pesquisas em torno das práticas restaurativas é possível conhecer novos aspectos de nossa experiência social, reformular problemas, desenvolver conceitos que possam servir como uma espécie de "caixa de ferramentas" para o entendimento social e sua complexidade, assim como testar conceitos já elaborados para sua compreensão. A pesquisa, de certa forma, é uma maneira de "ampliação das redes de conversação" e de formação de uma comunidade reflexiva em torno de um conjunto de problemas que se expressam nas práticas restaurativas, mas não se esgotam nesses procedimentos. Ao nos interrogarmos sobre justiça restaurativa estamos inquirindo a respeito das concepções de justiça que concebemos e seu embasamento social, as opções que dispomos para administração de conflitos e a diversidade de valores que as configuram, as diferentes experiências e modos de vida dos agentes que participam dos procedimentos restaurativos, assim como os sistemas de diferença e desigualdade social que recortam as experiências sociais dessas pessoas. Há todo um campo de questionamentos passíveis de serem abarcados por estudos sobre a temática que requerem aberturas ao pensamento reflexivo e só poderão ser efetivadas através da ampliação de conexões entre perspectivas e, é claro, da disposição em assumir riscos.
Isto porque tanto as práticas de justiça, quanto as práticas acadêmicas encontraram-se, por muito tempo, fechadas em uma espécie de "Caixa de Pandora". Hoje, sua abertura pode trazer algumas repercussões negativas, mas é uma oportunidade de encontrar a esperança de dinamização de saberes parciais, finitos e, sobretudo, localizados. Ao salientar a relevância de produção de saberes localizados, isto é, situados, estou os contrapondo às práticas transcendentes e totalizantes da tradicional autoridade científica e jurídica e defendendo a abertura de redes de conexão entre perspectivas que partem de alguma posição ou ponto de vista específico. Como disse uma pesquisadora da antropologia da ciência, chamada Donna Haraway, o esforço deve ainda ser maior para buscar a perspectiva daqueles pontos de vista que nunca podem ser conhecidos de antemão, os quais prometem alargar a construção de mundos menos organizados por eixos de dominação. Acredito que essa seja uma contribuição substantiva e possível de ser realizada através da realização de pesquisas sobre as práticas restaurativas, além de inspiradora para os estudos na área.
Susiani: Existe algum dado de quantos trabalhos de pesquisa em JR já foram desenvolvidos em Porto Alegre ou RS? Recentemente, quantos alunos estão envolvidos em pesquisa sobre o tema?
Patrice: Apenas na metade do segundo semestre de 2007 houve a finalização da estruturação, no Fórum de Pesquisadores, dos procedimentos a serem seguidos para o encaminhamento de projetos de pesquisa sobre justiça restaurativa. Desta forma, ainda não foi possível uma sistematização das demandas e pesquisas existentes. Pelo meu conhecimento, há várias pesquisas sendo realizadas e talvez seja mais produtivo pensarmos em grupos de pesquisa que se dedicam ao assunto: em Porto Alegre, destaca-se a PUCRS, que produz alguns trabalhos sobre o assunto no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, assim como do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e no curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Na UFRGS, há pesquisas na área da Antropologia Social, tanto no âmbito da pós-graduação, quanto no de graduação. O Instituto de Psicologia também possui alguns estudantes na área. Fora da capital, a UNISC também vem contemplando a temática, principalmente a partir do Programa de Pós-Graduação em Direito. Em Pelotas há um trabalho sobre o assunto, realizado na área de Sociologia. Esses são alguns espaços, entre os muito mais provavelmente existentes, que compõem um conjunto de debates acadêmicos na área. Essa rede de produções tende a aumentar, tanto pela relevância social da justiça restaurativa, como pela sua própria expansão comunitária, realizada a partir de 2007.
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