A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público alertar a opinião pública para um verdadeiro crime que ora se realiza, sob a aparência de um ato jurídico corriqueiro, contra o patrimônio cultural dos povos indígenas e da própria nação brasileira, solicitando para o caso uma ação imediata e firme das autoridades governamentais. Trata-se da ameaça iminente de fechamento do Museu Maguta, localizado na cidade de Benjamin Constant (AM), onde estão reunidas valiosas coleções de cultura material do povo Ticuna, exibidas em uma museografia delineada pelos próprios indígenas, e uma biblioteca que abriga toda a documentação histórica produzida sobre este povo e a região do Alto Solimões.
O Museu Maguta é na realidade uma instituição de interesse público, freqüentado diariamente pelos estudantes da rede pública municipal e estadual, que ali vão com regularidade realizar suas pesquisas. É ainda um ponto de atração para estudiosos e pesquisadores nacionais assim como para turistas das mais diferentes nacionalidades. Funciona igualmente como um centro de referência para os 35.000 Ticunas que habitam na região, sendo cotidianamente visitado por caravanas de crianças vindas das escolas indígenas nas aldeias próximas, sendo também local onde se realizam habitualmente reuniões e cursos envolvendo caciques e lideranças, professores bilíngües, agentes de saúde indígenas, monitores ambientais e mulheres artesãs.
Em 1996 a iniciativa foi premiada pelo International Commitee on Museums (ICOM). Três anos depois foi divulgada na Europa através de uma grande exposição realizada no Tropenzmuseum (Museu Tropical) em Amsterdan. Em 2007, o indígena Nino Fernandes, diretor do Museu Maguta, foi agraciado com a Comenda da Ordem do Mérito Cultural das mãos do presidente Lula. Ainda em dezembro de 2008 recebeu o Prêmio Chico Mendes outorgado pelo Ministério do Meio Ambiente.
A história dessa instituição iniciou-se em maio de 1985, quando uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional, da UFRJ, sob a coordenação do prof. João Pacheco de Oliveira, juntamente com lideranças indígenas do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), como Pedro Inácio Pinheiro e Nino Fernandes, criaram o Centro de Documentação e Pesquisa do Alto Solimões: Maguta, uma entidade civil sem fins lucrativos sediada na cidade de Benjamin Constant (AM) e destinada a promover iniciativas que concorressem para a divulgação e fortalecimento da cultura do povo Ticuna.
Implantado com recursos provenientes de um programa do Ministério da Justiça (“Mutirão contra a violência: Ruas em paz”), o “Centro Maguta”, como ficou popularmente conhecido, participou diretamente de todas as atividades importantes relacionadas aos indígenas desenvolvidas na região, como a implantação de uma escola indígena diferenciada (iniciada em 1986), da formação de monitores de saúde indígena (iniciada em 1988 em parceria com a Faculdade de Medicina da UFRJ), do treinamento de indígenas no registro em vídeo e em informática, de um programa de radiocomunicação entre as aldeias, do processo administrativo de demarcação topográfica das terras indígenas, e mais recentemente de programas de desenvolvimento sustentável e gestão ambiental. Para isso ao longo de sua existência estabeleceu parceiras fundamentais com organismos governamentais, como a UFRJ (Museu Nacional e Faculdade de Medicina), o Ministério da Educação, o Ministério da Cultura, a FUNAI, a UFAM, a FUNASA e o MMA, contando com o apoio setorial de diversas agências nacionais e internacionais, como a OXFAM/Recife, a ICCO/Holanda, Medécins du Monde/França, Amigos da Terra/Itália, VIDC/Áustria, entre outras.
Em 1986 o Centro Maguta adquiriu um terreno na avenida Castelo Branco, em área central da cidade de Benjamin Constant, ai instalando sua sede, que perdura até os dias atuais. Dois anos depois iniciou a construção de uma casa de alvenaria destinada a funcionar como o primeiro museu indígena do Brasil, inaugurado em 1991. A partir de 1996 passou a funcionar exclusivamente sob administração indígena, Nino Fernandes ocupando o lugar central.
A execução de uma ação de despejo e penhora de bens movida pela Fazenda não pode ser realizada de maneira açodada, contraditando importantes investimentos feitos por setores da administração pública brasileira e da cooperação internacional, em prejuízo notório da política indigenista e da proteção do patrimônio cultural brasileiro, num evidente menosprezo dos valores e da história do povo Ticuna. Isto poderá re-abrir feridas dolorosas, acarretando graves tensões sociais e comprometendo os termos de uma convivência social respeitosa e saudável entre os moradores da região.
É para evitar que ocorram tais danos irreversíveis que estamos alertando à opinião pública e solicitando às autoridades uma intervenção imediata neste assunto.