Resumo: O diário é constitutivo do ofício do etnógrafo, mas não é nada mais do que um conjunto disseminado de notas heterogêneas. Sua publicação, respeitando uma classificação cronológica, cria a ficção romanesca de um narrador-etnógrafo. Censurar a publicação permite não censurar a escrita. Os materiais censurados não são da ordem do íntimo, mas da ordem do não (ainda) inteligível.
Introdução
Uma parte expressiva do ofício do etnógrafo reside na construção do diário de campo. Esse é um instrumento que o pesquisador se dedica a produzir dia após dia ao longo de toda a experiência etnográfica. É uma técnica que tem por base o exercício da observação direta dos comportamentos culturais de um grupo social, método que se caracteriza por uma investigação singular que teve Bronislaw Malinowski como pioneiro e que perdura na obra de um Marcel Maget, caracterizada pela presença de longa duração de um pesquisador-observador convivendo com a sociedade que ele estuda.
Em torno desse método, também chamado de "observação participante", houve inúmeros debates. Neste artigo vou me deter unicamente na questão da escrita e da publicação do diário de campo do etnógrafo, recusando, aliás, considerar o método etnográfico como apanágio de uma disciplina, a etnologia. De fato, os sociólogos, mais que os geógrafos ou os historiadores, seguidamente fizeram uso da observação direta sem a fetichizar. Os pesquisadores que se posicionam como etnólogos stricto sensu não raro elitizaram a pesquisa etnográfica à dignidade do "campo", termo afetado por um genitivo de propriedade (o campo "de" tal ou tal etnólogo, "meu campo"). Essa palavra mágica designa ao mesmo tempo a sociedade ela mesma, o estágio que ali empreendeu o etnólogo e o desenvolvimento de sua investigação.
WEBER, Florence. A entrevista, a pesquisa e o íntimo, ou por que censurar seu diário de campo?. Horiz. antropol. [online]. 2009, vol.15, n.32