Antropologia
"Barraco" na Câmara Federal
Ontem, quarta-feira, dia 19/11, a Câmara Federal protagonizou em duas audiências públicas aquilo que os cariocas chamam de "barraco", isto é, gritaria, confusão, bate-boca, quebra-quebra, empurra-empurra entre pessoas que supostamente não deveriam fazer isso: deputados, presidentes de autarquia, representantes indígenas, empresários e funcionários da FUNAI.
Um dos barracos aconteceu na Comissão de Agricultura, onde o presidente da FUNAI foi alvo de duras críticas por parte de deputados de diversos estados, especialmente do Mato Grosso do Sul, mas também do Pará, Mato Grosso, Santa Catarina e Rondônia. Os argumentos foram os mais estapafúrdios possíveis, especialmente o de que a emissão de simples portarias de criação de GTs para identificar terras indígenas levaria à derrocada econômica do estado do Mato Grosso do Sul. Este argumento é de espantar qualquer pessoa racional. Mas há também aquele que diz que essas portarias estão atraindo índios do Paraguai, Bolívia e Argentina para virem morar nas novas terras indígenas a serem demarcadas. Com tais argumentos os fazendeiros perdem a razão.
Mas o problema é mesmo de falta de racionalidade, por um lado, e de falta de estratégia, por outro. A FUNAI, por força de um acordo intempestivo que fez com o Ministério Público Federal, em Dourados, há um ano, criou seis GTs para identificar terras indígenas Guarani no sul do Mato Grosso do Sul. A criação foi alardeada como se a FUNAI viesse a demarcar entre 500.000 e 1.000.000 de hectares naquela região, algo inacreditável. Os fazendeiros levam esse número para 10 milhões de hectares!
O pior é que o líder desses GTs e ideólogo dessa proeza, um antropólogo que há 32 anos vive de fazer consultoria e propostas sobre os índios Guarani, com pouquíssimo resultado a apresentar pelos seus serviços, mal desceu do avião em Campo Grande deu bombásticas entrevistas de que a partir de então os Guarani seriam redimidos de seu sofrimento pela demarcação dessas novas terras. Aí o frenesi foi total. Os Guarani criaram expectativas que evidentemente estão se esvaziando. Os GTs já foram desfeitos e seus membros voltaram às suas cidades dizendo que é impossível trabalhar no Mato Grosso do Sul com tanta resistência.
Mas não era de se esperar??!! E quem vai sofrer com tudo isso? Por certo que não os membros do GT nem a direção da FUNAI, e sim os índios que vão ficar a ver navios e vão ter que esperar mais alguns anos para terem a sua situação fundiária equacionada de outro modo.
O "barraco" nessa audiência chegou ao ponto de um deputado gritar histericamente que a FUNAI deveria ser extinta. Ao que foi vaiado pela audiência presente. Os deputados do PT que estavam defendendo o presidente da FUNAI disseram que os demais deputados estavam massacrando não só a FUNAI, mas também os índios. Enfim, a segurança foi chamada para vigiar se alguma troca de sopapos não iria se instalar. Um outro deputado quer que o presidente Lula emita uma MP para tirar da FUNAI o direito de demarcar terras indígenas e passar essa incumbência para o Congresso Nacional. De graça! E não leva nada...
O segundo "barraco" do dia se deu na Comissão de Trabalho e Administração quando uma assessora do ministro da Saúde estava defendendo a MP que apresenta a proposta de tirar a saúde indígena para colocá-la numa nova secretaria. Um índio Truká, Ailson Santos, que preside o Conselho de Saúde Indígena, fez duras críticas à proposta, e o reprentante Xavante chegou a levantar suspeitas sobre as segundas intenções da proposta, com a criação de diversas funções para novos funcionários. Ao seu lado, o diretor da Funasa que cuida da saúde indígena, Wanderley Guenka, defendia a Funasa veementemente dizendo que desde que ele virou diretor a coisa tinha melhorado muito. O mais impressionante é que o deputado-relator dessa MP declarou-se contrário à proposta dizendo que a digna e tradicional (sic) Funasa deveria manter a saúde indígena!
Ao mesmo tempo, em outra reunião, o ministro Temporão recebia uma comissão de índios que defendia o esvaziamento da Funasa, especialmente os índios ligados à Ong indígena Coiab, de Manaus. Muitos mais índios estariam a favor do ministro Temporão se ao menos ele soubesse com quem conversar e não se deixasse levar pela influência de um grupo bem menor, mas bem articulado com membros do governo. E, por fim, os índios do médio Alto Xingu que haviam prendido 12 funcionários da Funasa desde segunda-feira receberam a notícia de que serão recebidos pelo ministro Temporão na próxima segunda-feira. Esse grupo, com o apoio do ISA, quer a manutenção do convênio da Unifesp com a Funasa até pelo menos junho de 2009.
E agora, o que fará o ministro Temporão?
A situação da saúde indígena está um verdadeiro barraco. Se se fizer uma enquete entre os índios brasileiros vai dar um empate técnico. Simplesmente porque ninguém sabe direito o que pode acontecer.
Porém o ministro Temporão se comprometeu a fazer novas reuniões com os índios para decidir sobre sua participação num GT que deve definir as funções da nova secretaria.
Só esperamos que a presença dos índios seja não só dos eternos representantes de Ongs indígenas, mas que o ministro convide aqueles indígenas que trabalham em suas aldeias em prol da saúde dos seus patrícios.
Não seria mal convidar alguns indigenistas da FUNAI que têm experiência na questão da saúde. Sugiro em especial que se convide José Porfírio de Carvalho, que tem uma imensa experiência em um exitoso programa de saúde indígena entre os Waimiri-Atroari e os Parakanã.
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