"A Funai só sobrevive se for tomada pelos índios", diz antropólogo
Antropologia

"A Funai só sobrevive se for tomada pelos índios", diz antropólogo


Veja matéria publicada no Portal Amazonia.org.br em que falo sobre a importância dos índios exercerem papel mais relevante na Funai.

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Caciques da Funai: especialistas analisam a participação dos índios na gestão do órgão



Fabíola Munhoz
Casos como o do índio Joel Oro Nao, que foi eleito para o cargo de administrador-regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Guajará-Mirim (RO), são cada vez mais freqüentes, e mostram que as lideranças indígenas vêm ganhando espaço na administração pública.

Especialistas avaliam esse contexto, chegando à conclusão de que o crescimento da participação de índios na gestão de órgãos públicos é uma tendência, não só do movimento indígena, mas da sociedade brasileira como um todo.

"A Funai só sobrevive se for tomada pelo índios, se os índios começarem a dirigir a fundação.  É o futuro dos índios terem seu espaço fundamental, e esse é o começo do qual ninguém pode mais recuar", diz a respeito o antropólogo Mércio Gomes.

Ele informa que, durante o tempo em que foi presidente da Funai, entre 2003 e 2007, havia três diretores indígenas, três coordenadores gerais, e cerca de 15 indígenas nas administrações espalhadas pelo Brasil. 

Segundo o antropólogo, os índios estão, aos poucos, tomando e ocupando cargos das administrações regionais por mérito próprio.

"Ocupar cargos na administração da Funai e de outros órgãos é um modo de os índios encontrarem seu espaço político.  Isso vai dar mais responsabilidade aos índios e às lideranças indígenas, que vão estar na 'lâmina da navalha' entre o mundo indígena e o mundo dos brancos, que tem um predomínio na questão administrativa", afirmou.

O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira acredita que, a partir da década de 1980 os índios começaram a ter uma participação mais efetiva na sociedade.  "Terminada a Ditadura, os povos indígenas, com o apoio dos setores democráticos da sociedade, conseguiram inscrever seus direitos na Constituição de 1988.  Foi a Constituição que possibilitou essa participação".

"Antes escondiam o nosso direito e o que o governo deve fazer.  Agora, acredito que está se tornando mais fácil para nós", diz Joel Oro Nao, novo administrador de Guajará-Mirim.

Mas, se a opção por líderes indígenas no momento da escolha de ocupantes para cargos públicos vem se tornando mais comum, o número de índios que desempenham tais funções ainda é pequeno, em comparação à participação dos não-índios.

"A atual administração fez muito pouco para a participação dos índios na Funai.  Ela tirou diversos deles [dos cargos que ocupavam].  Tirou o pareci de Tangará da Serra (MT), tirou Zeca Pataxó, tirou Kaiapó da administração de Redenção (PA)", informou Mércio.

De acordo com ele, a abertura de espaço para a integração dos índios à administração pública requer uma visão política e uma determinação de que isso é bom para os índios.

"Em Manaus, há Jecinaldo Barbosa, como secretário da questão indígena.  Em Tocantins e Mato Grosso, também estão fazendo isso.  Os índios estão começando a tomar as rédeas", destacou o antropólogo.


Resistência à gestão indígena

Mércio indica como empecilho à escolha de índios para cargos de chefia da Funai o fato de que, em algumas regiões administrativas, onde há vários povos indígenas, a opção pelo integrante de um determinado povo pode gerar uma tensão entre as demais etnias.  "É preciso saber de uma pessoa que tenha capacidade de negociar com as demais etnias", afirmou.

Outro obstáculo indicado por ele é a falta de conhecimento administrativo por parte dos índios que têm liderança política.  "Isso leva tempo para eles aprenderem.  O índio ter que ter uma base para que se dê bem no seu trabalho e resolva os problemas".

Joel concorda que a falta de conhecimento sobre os procedimentos administrativos dificulta a participação dos índios.  "No começo, a gente sente dificuldade, mas tem pessoas com experiência lá dentro que me ajudaram muito", contou sobre o início da sua gestão na Funai de Guajará-Mirim.

O antropólogo Mércio também apontou o preconceito como fator desfavorável à participação indígena.

O sociólogo Paulo concorda.  "Ainda nos vemos pelo espelho dos povos brancos, que nos colonizaram.  Para termos nossa cara nacional, precisamos nos confrontar com outras caras, diferentes da nossa.  Pois, são as nações indígenas que nos ajudam nessa tarefa histórica.  Só não entende isso quem vê o povo brasileiro como um sub-povo, que precisa imitar norte-americanos e europeus".

Joel conta que há uma minoria dos funcionários da fundação que não está satisfeita com sua administração, por não aceitar um índio como seu superior.  "Eu falo para eles: 'Mesmo que vocês não queiram que índio assuma, agora um índio assumiu, e vocês têm que aceitar.  Se vocês não aceitarem, isso se chama discriminação'", relata como tem reagido.


Integração X Entrega

Mércio diz que a maior participação indígena no desempenho de funções administrativas revela uma busca desses povos por se integrar à sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar sua cultura.

"A palavra integrar não significa entregar.  Na medida em que você participa da sociedade brasileira e mantém sua base fundamental, você amplia sua cultura ao invés de substituir aspectos dela", explica.

Ele também diz que tudo depende do modo como os índios se incorporam à sociedade nacional, e garante que isso pode ser feito de forma harmoniosa, como prevê o Estatuto dos Povos Indígenas.

Paulo destaca a importância dessa integração ao restante da sociedade.  "Prejudicial é uma inserção que desconsidere sua identidade nacional e seus direitos como pessoa, e trate o índio como se ele não tivesse uma cultura própria.  A inserção do índio na sociedade, respeitando seus direitos, só favorece o índio e a própria sociedade brasileira", afirma.

Joel, que é professor há 20 anos, hoje cursa Licenciatura Intercultural em Pedagogia, na universidade, por acreditar que o ensino superior pode torná-lo mais preparado para administrar, sem deixar de valorizar as próprias raízes.  "Esse curso que estou fazendo é uma forma de valorizar mais a nossa cultura.  Hoje estamos resgatando o que foi perdido e pesquisando com os mais velhos, que estão morrendo", diz.


Administração "branca"

Para Mércio, a administração por não-índios na Funai não é sinônimo de gestão que não atenda aos interesses indígenas.  "Teve muito administrador branco de grande competência e dedicação".

Já o sociólogo Pedro acredita que a falta de participação direta dos índios gera impacto à realização dos direitos indígenas.  "Prejudica não só os direitos deles, mas os direitos de todas as minorias sociais, isto é, dos grupos que não fazem parte da minoria branca, letrada, proprietária e culturalmente dominante", afirma.

Joel confirma a ideia de que o índio está mais apto a reconhecer e compreender os reais anseios dos povos indígenas.  "Eles [os não-índios] faziam um projeto escondido, que não era da tradição da comunidade indígena.  Mas, hoje quero fazer um orçamento dentro da aldeia", diz.


Veja outros indígenas que trabalharam na Funai:

1 -Benedito Fernandes Machado, administrador de São Gabriel da Cachoeira/AM;
2 - Félix Xavante, Barra do Garças/MT;
3 - Isarire Lukukui Karajá, Araguaia/MT;
4 - Megaron Txucarramãe, Colíder/MT;
5 - Claudionor do Carmo Miranda, Campo Grande/MS;
6 - Tamalui Meinako, Xingu/MT;
7 - Bruno Tsupto, General Carneiro/MT;
8 - Zezito Pataxó, Monte Pascoal/BA;
9 - Beneildo Matos, Porto Seguro/BA;
10 - Paulo Dumhiwe, Norotã/MT;
11 - Antônio Apurinã, Rio Branco/AC;
12 - Vanderley Terena, Campo Grande/MS;
13 - Edgar Fernandes Rodrigues, Manaus/AM;
14 - Rildo Fulni-ô, Recife/PE;
15 - Tokran Kayapó, Redenção/PA;
16 - Kubey Kayapó, Redenção/PA;
17 - José Heleno de Souza, Maceió/AL;
18 - Waldemar Krenak, Governador Valadares/MG.

Dentre as lideranças citadas, há aquelas que administram atualmente as respectivas regiões, e outras que já ocuparam o cargo de Administrador Regional.

Em Rondônia, antes de Joel Oro Nao como chefe regional de Guajará-Mirim, a administração da Funai em Cacoal havia sido ocupada pelo índio Nacoça Pio Cinta-Larga.

Segundo a assessoria da Funai, que forneceu essas informações, é possível que além dos nomes mencionados, haja outros índios que já ocuparam ou ainda ocupam funções na fundação, mas não tenham sido catalogados devido à falta de sistematização do setor de recursos humanos do órgão.

Paulo Pankararu é atual Coordenador-Geral de Defesa dos Direitos Indígenas, vinculado ao gabinete da Presidência- cargo antes ocupado pela liderença Azelene Kaingang- e Léia Wapixana, atua como coordenadora de Mulheres Indígenas, vinculada à Diretoria de Assistência da Funai.

Antônio Apurinã foi outro integrante de destaque no quadro administrativo da fundação, já que, além de ter atuado como administrador regional de Rio Branco (AC), exerceu o cargo de diretor de assistência do órgão.




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